domingo, 23 de dezembro de 2007

Don Delillo II



“Estes são os dias do depois. Tudo agora se mede em depois”.

Esta frase resume a mais recente obra de Don Delillo, “O Homem em Queda”, e o meu primeiro livro não só deste autor como também sobre a temática do 11 de Setembro. E esta frase torna-se ainda mais tumular porque nunca me tinha apercebido até que ponto o 11 de Setembro foi de facto um marco que os americanos vão demorar muito tempo a ultrapassar. Em “O Homem em Queda” percebe-se que realmente nos EUA existe um pré e um pós 11 de Setembro e que a partir deste momento definidor nada será como dantes.

Para nos conduzir a esta constatação estrutural, Delillo propõe-nos uma história centrada sobretudo na vida de 4 indivíduos: um sobrevivente do atentado que estava numa das torres no momento do impacto; a ex-mulher dele e o reencontro de ambos um com o outro e consigo próprios; um dos responsáveis pela catástrofe, as suas motivações e a sua viagem para a morte dentro do avião; um homem-estátua em queda permanente e nos locais mais imprevisíveis, que não deixa ninguém esquecer as pessoas que caíriam e/ou saltaram das Torres para a morte certa.

Uma história metafísica sobre as obsessões destas pessoas (que são o espelho de todas as outras) e como o 11 de Setembro ao mesmo tempo alterou e clarificou tudo. Uma história existencialista, que transpira Kierkegaard por todos os poros, sobre as introspecções, as memórias passadas e futuras e os sofrimentos das suas personagens. “Kierkegaard proporcionava-lhe uma sensação de perigo, de estar à beira de um abismo espiritual. Toda a existência me assusta, escreveu ele. Ela revia-se nesta frase”. E o livro também. Por isso é que o seu fascínio reside em perceber como é que toda a existência se reflecte em quatro personagens e uma catástrofe.

O prazer de descobrir um dos maiores escritores americanos vivos lançou-me de imediato para um segundo Don Delillo, um livro que já há muitos anos estava à espera da minha leitura numa prateleira escondida lá de casa: “Mao II”. Apesar dos 16 anos que separam as duas obras, mal deixei entrar as primeiras letras e descobri uma ponte entre os dois livros - as torres que caem em “O Homem em queda” (2007) e as torres que nascem em “Mao II” (1991) - senti uma estranha sensação de estar em casa. Novamente as obsessões, o foco em personagens perturbadas que parecem ter sempre algo escondido por revelar. Mas desta feita estamos perante o encontro entre um escritor que se torna cada vez mais famoso à medida que passa o tempo sem dar a cara em público e sern escrever nada, e uma fotógrafa cada vez mais famosa por se dedicar a fotografar escritores e que consegue fotografar o escritor desaparecido. O enredo está lançado mas o fim fica para outro post. De qualquer maneira, bem vindo Don Delillo ao meu mundo.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Porque o Natal assim tem muito mais graça

O Que Fizeram do Natal
(Carlos Drummond de Andrade)


Natal.
O sino longe toca fino,
Não tem neves, não tem gelos.
Natal.
Já nasceu o deus menino.
As beatas foram ver,
encontraram o coitadinho
mais o boi mais o burrinho
e lá em cima
a estrelinha alumiando.
Natal.
As beatas ajoelharam
e adoraram o deus nuzinho
mas as filhas das beatas
e os namorados das filhas,
foram dançar black-bottom
nos clubes sem presépio.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Para acabar de vez com a sacralização do Natal

Chove. É dia de Natal
(Fernando Pessoa)

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

I Believe!

"The Believer is a monthly magazine where length is no object. There are book reviews that are not necessarily timely, and that are very often very long. There are interviews that are also very long. We will focus on writers and books we like. We will give people and books the benefit of the doubt. The working title of this magazine was The Optimist". Para além deste sugestivo manifesto de intenções esta revista é ilustrada por artistas como Charles Burns e Tony Millionaire.

Mandei vir um número pela Net para experimentar, mas será que alguém sabe onde é possível (e se é possível) encontrá-la à venda em Lisboa? Eu encontrei-a aqui .

Monocle 2008

Já me chegou às mãos o novo número da cosmopolita Monocle, um especial sobre aquilo que podemos esperar em 2008, com os conteúdos incisivos e o melhor design editorial a que a revista já me habituou. Imprescindível . Aconselha-se particular atenção ao excelente artigo sobre o canal Arte, que ensina como saber fazer boa televisão, tema fundamental em Portugal.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Mário Cláudio – Mestre das Letras


Há anos que andava à procura de “Amadeo”, um romance biográfico (uma «psico-socio-biografia», nas palavras do autor) sobre o maior pintor português de todos os tempos, publicado em 1984 e desaparecido das prateleiras das livrarias. Fui encontrá-lo na feira de livros usados que se realiza no Chiado, quando ele me acenou com a sua capa de uma banca repleta de preciosidades. Senti aquele arrepio que devem sentir todos os que, como eu, se perdem pelas letras e por objectos desejados e difíceis de encontrar.

Para além desta emoção que esta descoberta me tomou, qual brinquedo de criança, esta obra tem o condão de conjugar o meu pintor português preferido e um dos autores mais estimulantes da nossa contemporaneidade. Um autor que tem o dom da palavra como ninguém e que coloca nelas aquele requinte cosmopolita típico do Norte de Portugal. Um autor com quem estamos constantemente a aprender novas palavras, ou se calhar velhas palavras que não podem cair no esquecimento, palavras que têm um sabor especial no palato intelectual e que compõem enredos nem sempre fáceis, aliás sempre exigentes e, por isso mesmo, desafiantes e imperdíveis. Enredos onde a arte da literatura se confunde com a arte das belas-artes e a arte da nossa história e da história universal.

A mais recente obra do autor, “Camilo Broca”, é uma viagem alucinante à história dos antepassados de Camilo Castelo Branco, onde a fronteira entre ficção e realidade é extremamente ténue, mas onde se compreende toda a obra e a personalidade de Camilo. Uma verdadeira obra de arte da literatura portuguesa. Aconselha-se ainda vivamente a trilogia “Ursamaior”, “Orion” e “Gémeos”, descrita pelo autor como relacionada com “situações de alguma marginalidade” e “discurso problemático com o poder”, transversais a três gerações de personagens, uma por volume.

Um autor para ler e reler, com muitas entrelinhas.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Private Joke


Carla, esta descobri no "Um Estranho em Goa" do Agualusa e é para ti:

“Uma mulher muito esguia, e de gestos tão suaves e vagarosos que imediatamente me lembrou uma garça”.

Um Estranho em Goa de José Eduardo Agualusa

José Eduardo Agualusa é um daqueles autores lusófonos sobre cuja obra ainda não me debrucei devidamente. Mas há já algum tempo que sinto vontade de explorar a sua escrita, que cruza o país de nascimento do autor, Angola, com Portugal, Brasil, Índia, enfim, todo o mundo falante de português. Uma escrita que conta histórias que ligam estes países, histórias ricas em passados recentes e longínquos, grandes aventuras e pequenas curiosidades, todo um universo daquilo a que se poderá chamar cosmopolitismo lusófono.

Os dois únicos livros que (ainda) li de Agualusa reforçam precisamente esta lusofonidade. Primeiro foi “Nação Crioula”, onde o autor regressa ao passado colonial para contar a história do misterioso amor entre o aventureiro português Carlos Fradique Mendes e Ana Olimpia Vaz de Caminha, que tendo nascido escrava, foi uma das pessoas mais ricas e poderosas de Angola.

Esta semana acabei de ler (de rajada) “Um Estranho em Goa” (Biblioteca Editores Independentes), um livro que cabe no bolso mas que nos leva muito longe, geografica e imaginariamente. Antes de mais é um livro que se pode colocar na prateleira dos livros de viagem, com uma clara inspiração em Bruce Chatwin. Mas é muito mais do que isso. É um livro passado naquela antiga colónia portuguesa, que aborda a relação política e emocional dos goeses com o passado português e a actualidade indiana.

Mas é ainda mais do que isso. É um livro escrito na primeira pessoa, onde a personagem principal é o próprio autor, e onde a realidade e a ficção andam de mãos dadas, com a realidade a dar credibilidade à história e a ficção a condimentar cada palavra com sabores únicos, não estivesse a Índia em pano de fundo. Sintomático da musicalidade que Agualusa dá às palavras é o último capítulo do livro, que se deve saborear em voz alta, onde o autor elenca uma série de sinónimos de diabo, em português de Goa, Angola, Portugal e Brasil.

Mas continua a haver mais. O motivo da viagem a Goa de Agualusa é a procura pelo autor de uma personagem angolana refugiada em Goa. Personagem essa, curiosamente chamada Plácido Domingo (mais um fait-divers que contribui para o encanto da história), que participou na guerra contra Portugal, e que fugiu para a Índia por estranhos motivos que ciclicamente alimentam o enredo do livro. Um livro sobre passados que se querem esquecer, tal como o passado de diáspora português é cada vez mais uma matéria de nevoeiros e saudades.

Tudo isto, e muito mais, em pouco mais de 150 páginas, a que ninguém deve ficar estranho, porque está repleto de cheiros, cores, amores, misticismos, sentimentos e palavras da lusofonia portuguesa, africana, brasileira e asiática. Talvez tudo se possa resumir à grande questão que surge num virar de página, mas que paira sobre todo o livro: o que é ser português?

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Uma viagem (muito) curta

Confesso que sou admirador de Paul Auster há muitos anos, desde que há cerca de 15 anos o li pela primeira vez “No País das Últimas Coisas”, quando o senhor ainda era um ilustre desconhecido, ou então ainda não vendia o suficiente para ser aclamado pela crítica, nomeadamente a portuguesa, que sempre o aclamou.

Fiquei desde logo cativado pelas histórias “on the road” cinematográficas, pelos universos paralelos criados, irrealmente reais e profundamente americanos, que se confirmaram em livros que nunca esquecerei, como “A Trilogia de Nova Iorque”, “A Música do Acaso” (este é capaz de ser o meu preferido), “Mr. Vertigo” ou “Leviathan”.

Confesso também que se a costela cinematográfica de Auster sempre me cativou nos seus livros, a transposição para a tela nunca teve o mesmo efeito encantatório: “Lulu On The Bridge” é mesmo muito fraco. Como confesso ainda que o elevar do estatuto do senhor aos píncaros da literatura internacional, assim como a minha dedicação às letras portuguesas na última década, me afastou de Paul Auster. Continuo a lê-lo, é verdade, mas já não com o mesmo entusiasmo e intimismo, e isso reflectiu-se na leitura (demasiado) rápida e fácil do mais recente “Viagens no Scriptorium”.

Este é um livro em que Auster repete as suas fórmulas do costume, como por exemplo a introdução de histórias paralelas dentro da história principal; o fechar kafkiano da personagem principal dentro de um espaço confinado, sem se saber de onde ela vem e para onde vai, sendo que no caso de “Viagens no Scriptorium” esta incerteza mantém-se até ao fim. E quando a coisa começa a pegar, Auster fecha o livro deixando-nos claramente com água na boca. Será que o facto da personagem principal ser supostamente um homem culpado dos mais hediondos crimes justifica a decisão expressa explicitamente pelo autor em deixar a sua personagem principal suspensa, sendo que quem fica suspenso é o leitor e eu, nesse papel, não gosto de ficar suspenso? Será que Auster está à procura de uma abordagem mais experimental? Ou será que já não sabe como acabar uma história? Ou será ainda que “Viagens no Scriptorium” é apenas um livro menor numa obra com alguns maiores muito interessantes?

A minha Carla não gostou mesmo nada, e ela também tem sido uma leitora fiel de Auster. Ficou irritada com a opção do autor: “tanta coisa para nada” disse-me ela. Depois de ler compreendi a reacção dela, mas confesso (e é a última vez que o faço neste texto) que não fiquei irritado. Tentei justificar, a mim e a ela, a opção por aquele fim, mas provavelmente o que estou aqui a fazer é tentar justificar uma relação que de tantos anos e tantos livros que ainda não estou preparado para perder por completo. Pelo menos na esperança de que a próxima viagem de Paul Auster vá mais longe do que esta que se fica pelo scriptorium.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Duas leituras políticas obrigatórias

Estes últimos dias voltei às minhas leituras político-históricas, uma área à qual volto sempre. ou da qual nunca sequer saio. A ocasião deste regresso prende-se com duas edições recentes, uma no formato livro e outra no formato revista.

O primeiro é a “História da Pide” de Irene Pimentel, um livro que já se tornava cada vez mais urgente e que ainda bem que saiu pela pena desta autora, uma das mais profícuas e interessantes na História da nossa contemporaneidade. Ainda não me aventurei nas muitas páginas do livro, mas ele é sem dúvida uma excelente mais valia para juntar à minha recolha de textos sobre a polícia política do Estado Novo. Saúda-se ainda a pretensão da autora em realizar uma série documental para a televisão sobre o mesmo tema, uma tarefa hercúlea, se pensarmos no curto espaço de tempo que ainda nos separa do fenómeno, no peso emocional que este tema arrasta e nos muitos pides e informadores envolvidos que ainda se escondem na escuridão do anonimato. Não se saúda (para variar) os media nacionais e todos aqueles que não percebem que para fazer este tipo de estudo é fundamental escolher uma de muitas abordagens possíveis e manter um distanciamento científico - a única coisa que ouvi referirem sobre o livro, à laia de total falta de esclarecimento, foi o facto da autora ter concluído em termos estatísticos que a Pide foi menos torcinária que as suas congéneres europeias, o que não significa, como a própria autora reforça, que tenha sido menos aterradora. Enfim, polémicas à parte, estamos perante um documento tão essencial para as gerações actuais e vindouras compreenderem a nossa história mais recente como a série sobre a Guerra Colonial que actualmente está a ser transmitida na RTP.

A segunda edição que trago aqui é o canto do cisne da Revista História, que afinal parece que poderá não ser assim tanto um canto de cisne, porque poderá haver novidades já no início de 2008 (a acompanhar no site oficial da revista , o qual neste momento deixa muito a desejar). Para já fiquemos com esta edição especial da História, acabada de sair para as bancas e dedicada aos 90 anos da Revolução Soviética de 1917. Poder-se-á dizer que editorialmente os conteúdos denotam uma orientação mais de esquerda dos seus autores (sem conotações pejorativas), que se nota logo na afirmação algo determinista do primeiro artigo da autoria de Valério Arcary, segundo o qual “Outubro foi a revolução que mudou o mundo”. Mas não é com certeza por isso que esta edição especial da revista História deixa de apresentar um conjunto de artigos e entrevistas que nos ajudam comprender, de uma forma geral, mas muito assertiva, este fenómeno tão central como efémero, e tão esperançoso como tenebroso, da História do Séc. XX, tornando-a assim uma aquisição obrigatória.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da Liberdade e da Escravidão

A liberdade “representa um estado de esforço alegre e doloroso; alegre, porque dá ao homem a consciência do seu valor; e doloroso porque lhe exige trabalho nos dias de paz e a vida nas horas de guerra. A escravidão é feita de descanso e tristeza”.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da Filosofia (ou ausência dela)

“O português não é nada filosofo; a luz do seu olhar alumia mais do que vê; não abrange, num golpe de vista, os conhecimentos humanos, subordinando-os a uma lógica perfeita e nova que os interprete num todo harmonioso”.

“O génio lusíada é mais emotivo que intelectual. Afirma e não discute. Quando uma ideia se comove, despreza a dialéctica; e é sendo e não raciocinando que ele prova a sua verdade”.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes – Princípios da raça portuguesa

“Portugal é uma Raça, porque existe uma Língua portuguesa, uma Arte, uma Literatura, uma História (incluindo a religiosa) – uma actividade moral portuguesa; e, sobretudo, porque existe uma Língua e uma História portuguesas”.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da Politica

“Devemos atender ao corpo e deixar o vestuário. Em politica, sejamos médicos, higienistas, enfermeiros, mas, de nenhum modo, alfaiates. Corrigir em vez de destruir é um Sábio preceito económico. República, Monarquia são coisas secundárias. Portugal é tudo”.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da poesia

“Na Poesia aparece a alma de um Povo, no que ela tem de mais profundo e misterioso”.

“Deus é o Homem infinito. E o poeta fala, entre os homens, a linguagem de Deus, para que eles se reconheçam na própria natureza etérea e progridam moralmente”.

“Se a Ciência é a realidade das coisas fora de nós, a Poesia é a sua realidade dentro de nós. A Ciência vê; a Poesia visiona, transcendentaliza o objecto contemplado; eleva o real ao ideal”

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Brand Taboos para todos!


Na passada 2ª feira, dia 29 de Outubro, tive o prazer de assistir ao lançamento do livro “Brand Taboos” (Booknomics, 2007), da autoria de Paulo Rocha e Carlos Coelho, os meus “chefes” durante os 3 anos em que trabalhei na Novodesign/Brandia.

Um livro que é resultado da compilação de crónicas que ambos assinaram no jornal Briefing durante 2006 e que fala sobre aquilo que estes dois homens têm andado a fazer nos últimos 20 anos: criar e gerir marcas - o que são, como se comportam, como se estimulam, como nos encantam, os segredos e taboos que encerram. Mas de uma forma informal e muito pouco académica, o que torna o livro mais estimulante à leitura, não só de quem trabalhou com eles e que se pode rever nas entrelinhas (obrigado camarada Rocha pela simpática e “revolucionária” referência pessoal no taboo “A Revolta das Marcas”), mas também e sobretudo por todos os que se interessam por estas coisas das marcas e para os novos comunicadores portugueses que chegam todos os dias ao mercado de trabalho.

Pessoalmente, o lançamento foi ainda uma excelente oportunidade para rever antigos colegas de trabalho e para dar um especial abraço ao Paulo Rocha, cujo encanto pessoal barreirense e forte humor negro (que se destaca em todas as linhas que assina no livro) fizeram da minha experiência profissional na Brandia uma das mais gratificantes da minha vida.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da Literatura

“O escritor português é muito mais espontâneo e emotivo do que intelectual, o que imprime verdadeiro encanto às suas obras nascidas directamente da Inspiração e para sempre animadas do íntimo calor. Elas ganham, em expressão vivente, o que lhes falta em força dialéctica e construtora de pensamento. E por isso, em Portugal, é pequeníssima a distância entre literatura culta e popular”.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da Selecção Natural

“A lei suprema da Vida é (...) a lei do sacrifício das formas inferiores às superiores. (...) O rio é a morte de muitas fontes e o mar é a morte de muitos rios; mas o rio no mar é o mar”.

“O indivíduo belo e saudável transmite beleza, saúde e alegria à Família, Pátria e Humanidade. O indivíduo doente e feio como que anoitece o mundo... Tem o quer que é de criminoso”.

domingo, 28 de outubro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixaeira de Pascoaes - Princípios da língua portuguesa

“Quantas mais palavras intraduzíveis tiver uma Língua, mais carácter demonstra o Povo que a falar”.

sábado, 27 de outubro de 2007

A Arte de Ser Pascoaes


Teixeira de Pascoaes (1877-1952) foi um dos líderes do movimento da “Renascença Portuguesa” com Raul Proença e António Sérgio. Hoje é considerado um dos maiores escritores e pensadores da portugalidade, que nunca precisou de sair da sua Amarante natal para poder dali contemplar apaixonadamente Portugal e o mundo.

“Arte de Ser Português”, o primeiro livro de prosa de Pascoaes (e também a minha primeira leitura deste autor), então com 38 anos (1915), foi alvo de recente edição na colecção de livros de bolso Biblioteca Editores Independentes (Assírio & Alvim, Livros Cotovia e Relógio d’Água), de acordo com a edição revista e aumentada pelo autor em 1920.

Trata-se de um pequeno livro com alma de épico, que Teixeira de Pascoaes escreveu como uma sincera e genuína contribuição para melhor compreender o que é isso de ser português, na forma de um curso tão curto como intenso, que nunca teve o eco que o autor almejou.

“Arte de Ser Português” transforma-se assim numa dissertação sobre um país com a «saudade» como palavra/conceito/filosofia que melhor define a alma pátria: “a saudade, no mais alto sentido, significa a divina tendência do português para Deus; na sua expressão decadente, patológica, representa a tendência do português para o fantasma...”.

Um país encurralado no cruzamento entre o cristão e o pagão: “Deus e o Demónio são incompatíveis em toda a parte, excepto em Portugal”.

Um país banhado por qualidades como o génio da aventura, o espírito messiânico - de que o sebastianismo é o expoente maior - e o sentimento de independência e liberdade. Mas sobretudo inundado por defeitos como a falta de persistência, a vil tristeza, a inveja, a vaidade susceptível, a intolerância e o espírito de imitação.

Um país orientado para o passado e não para o futuro, que continua envolto na névoa sebastiânica: “elevamos quimericamente as pequenas coisas de hoje à grande altura das antigas. Fingimos a grandeza e o mérito perdidos. Representamos, enfim, o nosso Drama de sombras, que dá um pouco a vida humana depois da Queda...”.

Um livro que salienta alguns traços que continuam a ser indelevelmente visíveis no Portugal dos nossos dias (questão recorrente em todos os escritores portugueses que se debruçaram sobre a portugalidade em qualquer um dos nossos 8 séculos de História), e com algumas apreciações que à luz de hoje poderiam ser lidas como nacionalistas e até racistas (sobretudo tendo em conta que houve a 2ª Guerra Mundial pelo meio), mas que devem ser compreendidas no contexto da época em que foram escritas e na pena de quem partiram. A pena de Teixeira de Pascoaes. Nem monárquico, nem republicano, profundamente português. Descendente directo do Cancioneiro Popular e de Camões. A alma pátria personificada.

“Arte de Ser Português” tem tudo para ser uma leitura e uma compra obrigatória, até porque não custa mais de 4,50 euros. Inteiramente de graça, nos próximos dias vai ser possível ler aqui no Todos os Livros alguns princípios enunciados por Teixeira de Pascoaes neste pequeno grande livro.

Aos portugueses interessados, aceitam-se a agradecem-se comentários e adendas aos trechos que irei postar, porque a arte de ser português também é nossa, quer queiramos ou não.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Apaixonado com Camões

"Eu não amo como os mais,
Que eu no amar sou diferente,
Todos amam por enquanto,
Mas eu amo eternamente"

Uma quadra camoniana para a minha apaixonada que está a precisar do meu amor mais do que nunca.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Como compreender o Islão, segundo a New York Review of Books


Uma das minhas consultas internáticas habituais é o site da New York Review of Books. Não só para estar a par do que se fala e escreve na literatura anglo-saxónica, como para ler alguns artigos que nos dão uma outra luz sobre o que se passa no mundo. É precisamente este o caso do artigo de Malise Ruthven (Volume 54, Number 17 · November 8, 2007), que a partir da recensão de 5 livros sobre o Islão, nos demonstra de uma forma descomprometida e descomplexada que para compreender o Islão há que ir muito além (ou aquém) do 11 de Setembro. Para ler em paz e sem fundamentalismos.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Gunther Grass - "Descascando a Cebola"


“A memória assenta em memórias que, por sua vez, vão à procura de outras memórias. Assemelha-se assim à cebola que, a cada casca que cai, põe a nú coisas há muito esquecidas, até aos dentes de leite da meninice; mas depois a faca afiada ajuda a conseguir um outro propósito: cortada, camada por camada, provoca lágrimas que turvam a vista” (p.246).

Esta citação explica como se deve ler e entender a maravilhosa autobiografia de Gunther Grass, “Descascando a Cebola”. Se os provérbios e as frases-chave podem não passar de constatações óbvias, o óbvio é por vezes aquilo que mais é difícil de entender para muita gente. Tenho por isso de começar este texto com a constatação de que é a ler que a gente se entende, sendo que a primeira poucos fazem e a segunda menos ainda. Talvez seja por isso que este obra seja meramente publicitada como aquela onde o Nobel da Literatura de 1999 revela que pertenceu às SS no final da guerra, quando tinha 16/17 anos.

Muito mais do que esse facto, ou até a recente, inútil e académica querela sobre a tradução do livro, o que fica demonstrado em “Descascando a Cebola” é precisamente a razão, mais uma vez óbvia, porque este senhor foi galardoado com o prémio máximo da literatura mundial. Porque parte de uma simples metáfora para dar ao mundo um livro onde expia os seus pecados, desejos e ambições, que são dele e só a ele pertencem. E mesmo assim ele revela-os, revelando-se assim um verdadeiro humanista do Sec. XX, na melhor tradição alemã, que caiu na mesma tentação hitleriana em que cairam 99% dos alemães.

O que fica para a história de “Descascando a Cebola”, uma biografia que se lê com a paixãod e um romance, é a total exposição do eu, com revelações tão ou mais profundas e intimistas do que o facto de ter pertencido às SS, facto que aliás fica mitigado logo desde o início do livro, tal como os moínhos de Dom Quixote são apenas um pequeno episódio no início de um livro muito maior. O que nos enternece em “Descascando a Cebola” são as referências que Grass foi recolhendo para os livros que foi escrevendo ao longo da vida. As dúvidas e certezas sexuais. Os primeiros amores. A mão que consolou muitas vezes o desejo inconsolável. As personagens que lhe marcaram a personalidade. Os pais, a mulher, os filhos e os netos. A revelação do holocausto. O vício do tabaco. A pungência da fome passada no pós-guerra, tanto a fome por comida como a fome por arte. As artes industriais aprendidas para poder chegar à arte da escrita.

Afinal o que interessa “Descascando a Cebola” é que estamos perante um fresco que nos ajuda a compreender o que foi viver na Alemanha entre 1939 e 1959. Um fresco pintado letra a letra por um escritor maior como Gunther Grass, um alemão que nasceu numa cidade (Danzig) que hoje faz parte de outro país (Gdansk), que se descasca completamente perante o leitor e dá-se a conhecer sem qualquer camada, já que a cebola é toda descascada. E as lágrimas que a cebola provoca não são do leitor, por eventualmente ficar indignado pelo autor ter pertencido às SS e ter participado activamente na guerra. Pertencem sim ao autor, por revelar memórias que ainda hoje, já com 80 anos, lhe custam amargamente revelar.

O mais curioso disto tudo é que apesar de tanta camada de cebola e tanta amargura, não consigo deixar de me sentir feliz por me ser dado a ler um livro assim de um escritor assim. Obrigado Gunther Grass. O tambor há de continuar sempre a bater.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Porque é que será que leio este texto e continuo a achar que o Eça é que ainda hoje tem razão?

"Portugal vale a pena" (Nicolau Santos-Expresso)

Eu conheço um país que tem uma das mais baixas taxas de mortalidade de recém-nascidos do mundo, melhor que a média da União Europeia.

Eu conheço um país onde tem sede uma empresa que é líder mundial de tecnologia de transformadores.

Mas onde outra é líder mundial na produção de feltros para chapéus. Eu conheço um país que tem uma empresa que inventa jogos para telemóveis e os vende para mais de meia centena de mercados.

E que tem também outra empresa que concebeu um sistema através do qual você pode escolher, pelo seu telemóvel, a sala de cinema onde quer ir, o filme que quer ver e a cadeira onde se quer sentar.

Eu conheço um país que inventou um sistema biométrico de pagamentos nas bombas de gasolina e uma bilha de gás muito leve que já ganhou vários prémios internacionais.

E que tem um dos melhores sistemas de Multibanco a nível mundial, onde se fazem operações que não é possível fazer na Alemanha, Inglaterra ou Estados Unidos. Que fez mesmo uma revolução no sistema financeiro e tem as melhores agências bancárias da Europa (três bancos nos cinco primeiros).

Eu conheço um país que está avançadíssimo na investigação da produção de energia através das ondas do mar. E que tem uma empresa que analisa o ADN de plantas e animais e envia os resultados para os clientes de toda a Europa
por via informática.

Eu conheço um país que tem um conjunto de empresas que desenvolveram sistemas de gestão inovadores de clientes e de stocks, dirigidos a pequenas e médias empresas.

Eu conheço um país que conta com várias empresas a trabalhar para a NASA ou para outros clientes internacionais com o mesmo grau de exigência. Ou que
desenvolveu um sistema muito cómodo de passar nas portagens das auto-estradas. Ou que vai lançar um medicamento anti-epiléptico no mercado mundial. Ou que é líder mundial na produção de rolhas de cortiça. Ou que
produz um vinho que "bateu" em duas provas vários dos melhores vinhos espanhóis.

E que conta já com um núcleo de várias empresas a trabalhar para a Agência Espacial Europeia. Ou que inventou e desenvolveu o melhor sistema mundial de pagamentos de cartões pré-pagos para telemóveis. E que está a construir ou já construiu um conjunto de projectos hoteleiros de excelente qualidade um pouco por todo o mundo.

O leitor, possivelmente, não reconhece neste País aquele em que vive - Portugal.

Mas é verdade. Tudo o que leu acima foi feito por empresas fundadas por portugueses, desenvolvidas por portugueses, dirigidas por portugueses, com sede em Portugal, que funcionam com técnicos e trabalhadores portugueses.

Chamam-se, por ordem, Efacec, Fepsa, Ydreams, Mobycomp, GALP, SIBS, BPI, BCP, Totta, BES, CGD, Stab Vida, Altitude Software, Primavera Software, Critical Software, Out Systems, WeDo, Brisa, Bial, Grupo Amorim, Quinta do Monte d'Oiro, Activespace Technologies, Deimos Engenharia, Lusospace, Skysoft, Space Services. E, obviamente, Portugal Telecom Inovação. Mas também dos grupos Pestana, Vila Galé, Porto Bay, BES Turismo e Amorim Turismo.

E depois há ainda grandes empresas multinacionais instaladas no País, mas dirigidas por portugueses, trabalhando com técnicos portugueses, que há anos

e anos obtêm grande sucesso junto das casas mãe, como a Siemens Portugal, Bosch, Vulcano, Alcatel, BP Portugal, McDonalds (que desenvolveu em Portugal um sistema em tempo real que permite saber quantas refeições e de que tipo são vendidas em cada estabelecimento da cadeia norte-americana).

É este o País em que também vivemos.

É este o País de sucesso que convive com o País estatisticamente sempre na cauda da Europa, sempre com péssimos índices na educação, e com problemas na saúde, no ambiente, etc.

Mas nós só falamos do País que está mal. Daquele que não acompanhou o progresso. Do que se atrasou em relação à média europeia.

Está na altura de olharmos para o que de muito bom temos feito. De nos orgulharmos disso. De mostrarmos ao mundo os nossos sucessos - e não invariavelmente o que não corre bem, acompanhado por uma fotografia de uma velhinha vestida de preto, puxando pela arreata um burro que, por sua vez, puxa uma carroça cheia de palha. E ao mostrarmos ao mundo os nossos sucessos, não só futebolísticos, colocamo-nos também na situação de levar muitos outros portugueses a tentarem replicar o que de bom se tem feito.

Porque, na verdade, se os maus exemplos são imitados, porque não hão-de os bons serem também seguidos?

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O Fim da Historia?

Esta semana, como acontece todos os meses, recebi na caixa do correio a edição mensal da revista História, correspondente à assinatura que mantenho há já alguns anos, desde ainda a segunda série.

O que é que este facto tem de extraordinário? Antes de mais porque este foi o número 100 da terceira série de uma revista que já anda por aí, com altos, baixos e outros sobressaltos, para mais de 30 anos e que faz parte da minha história de vida desde os tempos em que o meu pai a comprava regularmente. Depois porque é um raro exemplo de atenção a uma das mais fascinantes disciplinas das ciênciais sociais e com particular pendor para a História Contemporânea, o que é um caso ainda mais raro. Mas sobretudo porque, e para espanto meu, o primeiro artigo deste número 100 avança com a constatação de que a História (mais uma vez) vai acabar. E parece que mais uma vez por dificuldades financeiras. Nas palavras do director-adjunto Luís Farinha, «foram-nos retirados dois apoios oficiais fundamentais para uma pequena publicação como a nossa, nomeadamente do ex-Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (actual Direcção-Geral do Livro e da Leitura) e o fim do Porte Pago».

Confesso que andava desgostoso com as mais recentes edições, sobretudo em termos gráficos, que perderam muito charme e contemporaneidade face aos primeiros números desta terceira série, ao ponto de estar a considerar a hipótese de deixar de assinar a revista. Contudo, deixar morrer uma publicação com tanta história por estas razões é triste. Curiosamente, o último (?) suspiro da História vai ser com uma edição especial dedicada à Revoluçaõ Russa de 1917. Poderá o tema ser lido como um grito de raiva contra a situação?

Por tudo isto juntei o meu nome ao abaixo-assinado que circula na net para salvar a História. Um gesto provavelmente simbólico, mas mesmo asism deixo aqui o link para quem se quiser juntar à causa e fazer história.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Louis Riel by Chester Brown


Chester Brown é um comic artist canadiano de renome não só no seu pais, como em todo o mundo. Eu diria que é mesmo um dos maiores artistas do nosso tempo, a par de outros mestres como Chris Ware, Daniel Clowes, Charles Burns ou Seth para me ficar apenas por aqui. É o autor celebrado de grandes obras da Nona Arte como “Ed the Happy Clown”, “The Playboy: A comic book”, “I Never Liked You”, “The Little Man: Short Strips 1980-1995”.

Constantemente à procura da perfeição, a mais recente etapa no caminho de Chester Brown em direcção à excelência é “Louis Riel: A Comic-Strip Biography”, nada menos que a história de um mártir político do Canadá da segunda metade do Séc. XIX. A prova de que a banda-desenhada não pode ser desdenhada e deve ser cada vez mais assumida como aquilo que realmente é: a Nona Arte. “Louis Riel” é então acima de tudo um livro de história, mas que nos ensina de uma forma lúdica e artística, com um cuidado enorme no traço (aqui muito inspirado em Hergé) e no texto, com uma sensibilidade para o enredo brilhante e uma elegância extrema, num preto e branco incólume.

A forma como Brown cruza os aspectos mais macro da história de Riel - a revolução que lançou e a clarificação das diferenças entre as origens inglesas e francesas daquele país – e os aspectos mais micro - as angústias religiosas do homem e a fina linha que separa a loucura da genialidade – tornam a leitura desta biografia desenhada uma obsessão e uma obrigação.

Não admira que tenha sido considerado pela Time uma das melhores obras de 2003 e tenha sido candidato ao prestigiado Eisner Award em 2004.

A edição que adquiri foi a espanhola (Ediciones La Cupula- onde se trata a banda desenhada como deve ser), mas o original em inglês pode ser adquirido através da Drawn & Quarterly. Confesso que a leitura em espanhol tornou o livro ainda mais mágico.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Eu vou descascar a cebola


Vou ler a autobiografia de Gunther Grass, mas ao contrário das manchetes que mancharam os jornais do fim de semana que passou, o que menos me interessa é a polémica sobre o passado hitleriano do senhor, mas sim o texto autobiográfico (um género que me apaixona cada vez mais) do autor do "O Tambor", um escritor alemão que atravessou todo o século XX, o mais intenso (pelas piores e melhores razões) da vida do seu povo. Um texto fundamental para compreender tanto os fantasmas que assombram a vida de Grass, como os fantasmas alemães que assombraram a Europa e o Mundo.

"Descancando a Cebola" é colocado hoje à venda, pela Casa das Letras.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

A vida por um monóculo vê-se melhor...


Todos os Livros, como já se viu, também inclui outras formas de leitura de qualidade, sejam elas a banda-desenhada, ou também, como é o caso que aqui trago hoje, as grandes revistas. E que grande revista descobri ontem, graças ao camarada Zé, designer de eleição que reconhece numa revista não só a genialidade do design, como também a pertinência e o poder dos conteúdos.

O que é então a Monocle? É uma mega-revista inglesa sobre "global affairs, business, culture & design", onde o conceito de cosmopolitismo encontra a sua expressão perfeita. Aqui descobrem-se tanto as grandes tendências, da globalização ao aquecimento global (e que excelente artigo sobre o problema do Ártico!), como os pequenos pormenores que tornam a vida mais interessante e saborosa: viagens, moda, oportunidades de negócio, arquitectura, música e até banda-desenhada.

O número que adquri (Setembro de 2007) tem como tema central o branding das nações, ou seja, a importância e a necessidade cada vez maior dos países em criarem uma imagem de marca forte e coerente. Partindo desta ideia central, a Monocle dá-nos um panorama aprofundado sobre o tema, com vários "case studies", artigos de fundo, entrevistas, pessoas, ideias e exemplos a seguir. É ler e ver o que Portugal está a perder...

É isto que faz da Monocle uma revista de culto, extremamente focada (como o próprio nome indicia), para coleccionar e guardar na prateleira preferida, ou mesmo na mesa de cabeceira, e voltar sempre que for preciso abrir os olhos e a mente à percepção do que o nosso mundo é, vai ser e deve ser. Uma revista do mundo à venda nas melhores papelarias (a minha descobri-a no Dolce Vita de Miraflores, mas acho que era a última...).

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Nan Goldin "The Ballad of Sexual Dependency"

Este fim de semana tive a felicidade de encontrar (e adquirir) na Almedina da Gulbenkian o genial livro de fotografia de Nan Goldin, "The Ballad of Sexual Dependency", cujo slideshow apresento aqui para o deleite de todos os que vibram com a fotografia que é muito mais do que estética. A fotografia que fala da vida como ela é. A fotografia ao mesmo tempo hiper-realista e ultra-intimista. A fotografia que tanto invoca como espanta os fantasmas que assombram e alegram o dia-a-dia. A fotografia que provoca todo o tipo de sensações, desde o virar dos olhos em repulsa até ao sorriso que surge nos lábios. A fotografia que é a extensão mais natural e verdadeira do seu autor e não um mero acto distanciado e indiferente. A fotografia que também se lê, porque apresenta a leitura autobiográfica da vida da sua autora em imagens. E que vida. E que leitura. E que fotografias.


quinta-feira, 30 de agosto de 2007

2 bandas desenhadas

Já falei aqui da maravilhosa livraria que descobri em Braga, a Centésima Página. Fica aqui agora a publicidade às duas bandas desenhadas que lá adquiri e que aconselho vivamente a todos os apaixonados pela faceta mais madura (leia-se adulta) da 9ª arte.

. "Pyongyang: A Journey in North Korea" de Guy Delisle (Drawn & Quarterly), uma viagem real a um país irreal vivida, escrita e desenhada pelo próprio autor.


. "Blankets" de Craig Thompson (Top Shelf Comix), uma obra de peso (mais de 600 páginas e vários prémios) íntima, autobiográfica e amorosa. Para ler debaixo dos cobertores a meia luz.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Machado de Assis hoje no Diario de Noticias!!!

Hoje vale mesmo a pena comprar o Diário de Notícias. Não pelo jornal que continua extremamente desinteressante, mas pelo livro que é oferecido: "Dom Casmurro" de Machado de Assis. Um clássico de um dos maiores escritores da língua portuguesa por apenas 90 cêntimos. Isto é que é cultura ao alcance de todos. Está tudo a correr para a banca mais próxima.

PS - obrigado pela informação camarada Ricardo.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Stephen King e “A História de Lisey”


Já o disse antes de ir para férias que tinha cedido ao mediatismo de Stephen King através da compra do seu mais recente mega-sucesso de vendas “A História de Lisey”. Depois de o ler avidamente durante as ditas férias tenho de reconhecer que tal como me rendi ao imediatismo também me rendi à qualidade do livro. Chamar-lhe terror é reduzi-lo a uma categoria limitadora. Eu prefiro adjectivá-lo como um livro intenso, bem escrito, com excelentes soluções narrativas só ao alcance de quem sabe muito bem aquilo que faz, e com pistas que nos são lançadas a todo o momento e reveladas quando menos se espera, mas sem deixar uma única ponta solta. Um livro que se mantém numa latência perturbante constante, atingindo picos de perturbação extrema (leia-se violência e ao mesmo tempo catatonia), perante os quais só não se fecha os olhos porque estamos a ler e não a ver (se bem que não me admira nada que o filme deste livro já esteja em preparação).

A história de Lisey é a história da mulher de um escritor muito famoso (aqui King está em casa) que morreu há dois anos e que passados esses dois anos se vê obrigada a recordar toda a sua vida passada com aquele homem e o próprio passado (extremamente) obscuro desse homem, quanto tudo o que ela quer é esquecer. É a história que confirma o ditado popular, segundo o qual por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher. Uma mulher que se vê obrigada a enfrentar os fantasmas (terrivelmente assustadores) do passado do marido para poder exorcizar o seu futuro. É uma história com mundos paralelos que podem ser apenas sonhos, mas que são muitos reais, para ler sem preconceitos intelectuais e para abraçar com toda a emoção, porque as emoções aqui são fortes. E mais não digo para não estragar o prazer de uma boa leitura de Verão.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Centesima Página


Aqui fica a referência a uma das minhas grandes descobertas livrescas destas férias: a livraria Centésima Página, situada na lindíssima cidade de Braga. Foi amor à primeira vista.

É partir das arcadas da Praça da República, seguir em frente, passar o McDonalds (de nariz tapado porque o cheiro é fétido), encostar ao passeio da direita e procurar o maravilhoso edifício barroco recuperado para albergar uma das mais belas livrarias que alguma vez respirei na vida. Para mais informações basta visitar o site da Centésima Página. Mas o que vale mesmo a pena é ir lá ver, ler e estar. Até tem café e jardim e uma boa secção infantil para levar a criançada, porque é de pequenino que se aprende a gostar de ler.

domingo, 5 de agosto de 2007

Filosofia para o Verão


Depois de no último post ter indicado a minha lista de livros para as férias que já começaram, mas ainda não descolaram de Lisboa, aproveito para deixar algumas citações de um dos mais brilhantes livros que li até hoje: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, tão obrigatório, ou ainda mais, que os Maias do nosso Eça.

Poderia estender-me aqui longamente sobre as virtudes deste romance. Mas não sou crítico, nem a isso aspiro. Sou simplesmente um aficcionado da arte de bem escrever em português. E quando essa leitura me apresenta a melhor filosofia de vida num romance impossível de parar de ler, recheado (a cada canto de página) daquele humor com que só os brasileiros nos sabem (en)cantar, e inspirado por uma técnica a que muito poucos dos nossos contemporâneos podem sequer aspirar (recordo que o livro foi escrito em 1880), estamos perante uma obra-prima.

E quando um livro nos dá tantas citações, para quê sujar este post com mais conversa? Deixo-vos com Machado de Assis. Ou será com Brás Cubas? A certa altura confesso que já não sei quem realmente está a escrever... Mais um pormenor de génio... Aqui ficam outros para mergulhar neste Verão:

“Suporta-se com paciência a cólica do próximo”

“Matamos o tempo; o tempo nos enterra”.

“A pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não para nunca: acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la”.

“Um grãozinho de sandice, longe de fazer mal, dava certo pico à vida”.

“Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. (...) Somadas umas cousas e outras, quelquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.

Concluo eu: como é que um final tão negativo nos leva a dizer sins apaixonados a cada página deste livro? Basta ler...

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Livros para as férias


A partir de amanhã estou de férias. E férias para mim é mesmo de tudo. Excepto da leitura, que essa faz parte do meu quotidiano, independentemente do local e do estado de espírito. É que eu sou daqueles que mesmo que não leia, os livros têm de estar ali à mão de semear, porque a sua presença conforta-me, o seu cheiro inspira-me, a sua leitura relaxa-me. E por isso mesmo que só leia um livro, tenho de levar mais do que um, não vá o Diabo tecê-las e de repente apetecer-me algo completamente diferente.

E é precisamente por gostar de tantas coisas e tão diferentes que a lista dos 4 livros que me vão acompanhar nas 3 semanas de férias que vou gozar com a família apresenta claras diferenças. E aqui vão a lista e as razões:

“A Brasileira de Prazins” - Camilo Castelo Branco

Na continuidade de “Os Maias” do Eça e das “Memorias Póstumas de Brás Cubas” do Machado de Assis, a minha lista de férias tinha de compreender um clássico e voltar ao Camilo é para mim uma obrigação regular, eu que até gosto de me afirmar mais camiliano que queirosiano.

“A Torre de Barbela” - Ruben A.
E já que estamos a falar em clássicos, este não tão clássico como os nomes atrás referidos, eis outro que está na minha lista há muito tempo. Tanto o livro como o autor, sobre os quais pretendo me debruçar com afinco tão brevemente quanto possível. Se não for durante estas férias há de ser muito brevemente. Este devo-o ao meu pai...

“A Máquina de Joseph Walser” - Gonçalo M. Tavares
Este é o livro de bolso do Verão. Para atacar na areia, num ou dois fins de tarde, entre duas idas ao mar. Bem sei que de Gonçalo M. Tavares não é das leituras mais veraneantes, mas eu associo este tipo de literatura incisiva e kafkiana à praia (por razões que são só minhas). Lá estão os contrastes que me atraem...

“A História de Lisey” - Stephen King
Este é meu best-seller para este Verão. Fui claramente levado pela publicidade favorável ao novo Stephen King e não resisti. Mas confesso que não sou virgem nestas coisas de Stephen King e do terror. Na minha adolescência Edgar Allan Poe e H. P. Lovercraft viveram muitas noites na minha mesa de cabeceira, assim como o próprio Stephen King dos tempos de “Shining”, “Dead Zone” e “Misery”. E a verdade é que seja ou não um best-seller - eu não tenho paciência para os excessos de eruditismo, nem para o constante denegrir do género terror - estes livros deste autor marcaram-me profundamente pela energia que emanam e pela capacidade de nos prender a cada linha que passa. Por isso, espero “divertir-me” com o novo Stephen King, “A História de Lisey”, a quem já não voltava há uns anos largos.

E já agora bom Verão.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Para a minha filha: “Charlie e a Fábrica de Chocolate” de Roald Dahl

Este ano, no meu aniversário, a minha irmã, o meu cunhado e a minha sobrinha tiveram uma ideia fantástica. Ofereceram-me o livro “Charlie e a Fábrica de Chocolate” de Roald Dahl, para eu ler à minha filhota que vai este ano para a 1ª classe. A paixão pelos livros já são um dos legados que lhe consegui transmitir nestes seus primeiros 5 anos de existência. Mas este livro tornou-se um marco porque foi o primeiro livro a sério (leia-se com mais letras que bonecos) que lemos os dois em conjunto. E que experiência...

Em primeiro lugar pelo livro em si, que sabe a chocolate do princípio ao fim, e por todo o imaginário infantil (e didáctico) que ele desperta e que tão bem foi retratado no filme de Tim Burton, que é quase 100% fiel ao livro. Viva os umpa-lumpas!

Em segundo lugar pelo ritual diário que estabelecemos: dois ou três capítulos antes de ir para a cama, lidos em voz alta e devidamente encenados - a maravilha que foi ver a minha filha a olhar para mim, encantada como ela costuma ficar quando está a olhar para um livro com bonecos.

Em terceiro pela capacidade visualizadora e pela memória que a minha filha revelou, cada vez mais sequiosa de aprender a ler por si própria e com uma imaginação cada vez mais fértil, que eu quero acreditar dever-se à saudável influência dos livros.

Por tudo isto, aconselho vivamente esta experiência a todos os pais com filhos em tenra idade. Porque nos faz sentir crianças. Porque nos aproxima deles. Porque é tão bom saborear as palavras em voz alta. Porque uma criança que gosta de livros é uma criança muito mais feliz. E eu só quero que a minha filha seja feliz.

Por tudo isto, obrigado Susana, Matilde e Carlos.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

“Memórias Póstumas de Brás Cubas” – Machado de Assis


Depois d’Os Maias, viajei para Sul, mais propriamente para o Brasil, à procura de um contemporâneo do nosso Eça, o brasileiro Machado de Assis (talvez porque já andava para o ler há muito tempo, ou talvez porque tenha metade da família no Brasil neste momento), autor de outro grande clássico da literatura em língua portuguesa, as “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. E que viagem. Comecei há dois dias e já vou quase no fim.

Numa primeira apreciação, a distância que separa o humor de Eça do de Machado de Assis é muito curta, sobretudo no que aos amores, desamores e traições amorosas diz respeito. Mas o português brasileiro de Machado de Assis presta-se sem dúvida mais à comédia.

Pelo palavreado: “Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim – embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e política para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação"

Pela capacidade comunicativa: “Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem”.

Pelo ir directo ao assunto e sem papas na língua: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”.

Tenho lido as memórias brasileiras do meu cunhado sobre a sua actual estadia no Brasil (ANAUEL) e dá realmente para perceber que aquele país transborda de humor. Mesmo quando pretende ser sério. É fantástico.

Seguir-se-ão outras apreciações das memórias de Brás Cubas brevemente. Se não acabar o livro já hoje... Tenho de descobrir mais autores brasileiros – uma ajudinha, vai?...

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Os Maias do meu contentamento


“Todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «Vou ser assim, porque a beleza está em ser assim.» E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente.”

É impressionante como uma simples constatação da vida desiludida consegue resumir toda a genialidade do (provavelmente) maior romance da literatura portuguesa: “Os Maias” de Eça de Queiroz. Constatação que surge no final do livro, à laia de epílogo, depois de resolvidos os episódios da vida romântica vividos por Carlos da Maia e João da Ega.

(Re)ler os Maias foi uma experiência por que todos os portugueses deviam passar. São mais de 700 páginas que se lêem de um fôlego, com sofreguidão, mesmo que se saiba à partida como tudo vai acabar (mal?). É talvez o maior fresco sobre o Portugal novecentista, que nem por isso é assim tão diferente do Portugal de séculos anteriores e posteriores. É o Portugal do fado que nos afoga numa existência pequena e miserabilista, mas ao mesmo tempo com uma alegria e um humor imensos. Porque se há algo que os Maias reflectem é a nossa capacidade de escarnecer e maldizer de nós próprios, mas sempre a cantar. Ou então, a nossa capacidade de auto-crítica e ao mesmo tempo a nossa incapacidade de aceitar as criticas vindas do exterior.

Nos Maias está lá tudo: os pequenos poderes e as grandes amizades, os amores e os desamores, a comédia e o drama da vida quotidiana, arquétipos para todos os gostos. Um épico que se o nosso cinema não fosse também pequeno, já o teríamos em mega-produção e wide-screen. Mas provavelmente é melhor que os Maias não saiam do papel, porque ler o livro e visualizar aquele universo com a imaginação é o melhor filme que se pode ter.

Mas acima de tudo, nos Maias está a nossa língua tratada como tão bem ela merece ser tratada em papel. Estão palavras mágicas que se saboreiam a cada letra. Estão sequências que tornam sonhos em realidade (parece tão fácil...) e de que nas últimas semanas procurei dar conta aqui. Está o romance da nossa portugalidade.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Os Maias da Lisboa novecentista


“Já não há nada genuíno neste miserável país, nem mesmo pão que comemos!
Carlos, recostado no banco, apontou com a bengala, num gesto lento:
- Resta aquilo, que é genuíno...
E mostrava os altos da cidade, os velhos outeiros da Graça e da Penha, com o seu casario escorregando pelas encostas ressequidas e tisnadas pelo sol. No cimo assentavam pesadamente os conventos, as igrejas, as atarracadas vivendas eclesiásticas, lembrando o frade pingue e pachorrento, beatas de mantilha, tardes de procissão, irmandades de opa atulhando os adros, erva-doce juncando as ruas, tremoço e fava-rica apregoada às esquinas, e foguetes no ar em louvor de Jesus. Mais alto ainda, recortando no radiante azul a miséria da sua muralha, era o Castelo, sórdido e tarimbeiro, donde outrora, ao som do sino tocado em fagotes, descia a tropa de calça branca a fazer a bernarda! E abrigados por ele, no escuro bairro de S. Vicente e da Sé, os palacetes decrépitos, com vistas saudosas para a barra, enormes brasões nas paredes rachadas, onde, entre a maledicência, a devoção e a bisca, arrasta os seus derradeiros dias, caquéctica e caturra, a velha Lisboa fidalga!”

Os Maias positivistas


“Meu caro, a política hoje é uma coisa muito diferente! Nós fizémos como vocês, os literatos. Antigamente a literatura era a imaginação, a fantasia, o ideal... Hoje é a realidade, a experiência, o facto positivo, o documento. Pois cá a política em Portugal também se lançou na corrente realista No tempo da Regeneração e dos Históricos, a política era o progresso, a viação, a liberdade, o palavrório...Nós mudámos tudo isso. Hoje é o facto positivo – o dinheiro, o dinheiro! o bago! a massa! A rica massinha da nossa alma, menino! O divino dinheiro!”

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Os Maias da política


“A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por trás lhes puxavam pelos cordéis. Ainda assim podiam ser bonecos bem recortados, bem envernizados. Mas qual! Aí é que estava o horror. Não tinham feitio, não tinham maneiras, não se lavavam, não limpavam as unhas... Coisa extraordinária, que em país algum sucedia, nem na Roménia, nem na Bulgária! Os três ou quatro salões que em Lisboa recebem todo o mundo, seja quem for, largamente, excluem a maioria dos políticos. E porquê? Porque as «senhoras têm nojo»!”

Os Maias na boca do mundo mediático


“«Ora viva , sô Maia! Então já não se vai ao consultório, nem se vêem os doentes do bairro, sô janota? – Esta piada era botada no Chiado, à porta da Havanesa, ao Maia, ao Maia dos cavalos ingleses, um tal Maia do Ramalhete, que abarrota por aí de catita; e o pai Paulino que tem olho e que passava nessa ocasião ouviu a seguinte cornetada: - É que o sô Maia acha que é mais quente viver nas fraldas de uma brasileira casada, que nem é brasileira nem é casada, e a quem o papalvo pôs casa, aí para o lado dos Olivais, para estar ao fresco! Sempre os há neste mundo!... Pensa o homem que botou conquista; e cá a rapaziada de gosto ri-se, porque o que a gja alhe quer não são os lindos olhos, são, são as lindas louras... O simplório, que bate aí pilecas bifes, que nem que fosse o marquês, o verdadeiro marquês, imaginava que se estava abiscoitando com uma senhora de chique, e do boulevard de Paris, e casada, e titular!... E no fim (não, esta é para a gente estoirar o bandulho a rir !) no fim descobre-se que a tipa era uma cocotte safada , que trouxe para aí um braYsileiro já farto dela para a passar cá aos belos lusitanos... E caiu a espiga ao Maia! Pobre palerma! Ainda assim o sô Maia só apanhou os restos de outro, porque a tipa, já antes de ele se enfeitar, tinha pandegado à larga, aí para a Rua de S. Francisco, com um rapaz da fina, que se safou também, porque cá como nós só aprecia a bela espanhola. Mas não obsta a que o sô Maia seja traste! – Pois se assim é, dissemos nós, cautelinha, porque o Fdiabo cá tem a sua Corneta preparada para cornetear por esse mundo as façanhas do Maia das conquistas. Ora viva, sô Maia!»”

domingo, 22 de julho de 2007

Os Maias arebatadores


“Carlos via-a assim tremer, via-a toda pálida... E nem a escutara, nem a compreendera. Sentia apenas, num deslumbramento, que o amor comprimido até aí no seu coração irrompera por fim, triunfante, e embatendo no coração dela, através do aparente mármore do seu peito, fizera de lá ressaltar uma chama igual... Só via que ela tremia, só via que ela o amava... E, com a gravidade forte de um acto de tomada de posse, tomou-lhe lentamente as mãos, que ela lhe abandonou submissa de repente, já sem força, e vencida. E beijava-lhe ora uma, ora outra, e as palmas, e os dedos, devagar, murmurando apenas:
- Meu amor! Meu amor! Meu amor!”

(...)

Carlos voltou-se, ferido no coração. Com o seu vestido escuro, para ali caída e abandonada, parecia já uma pobre criatura arremessada para fora de todo o lar, sózinha a um canto, entre a inclemência do mundo. Então respeitos humanos, orgulho, dignidade doméstica, tudo nele foi levado como por um grande vento de piedade, Viu só, ofuscando todas as fragilidades, a sua beleza, a sua dor, a sua alma ublimemente amante. Um delírio generoso, de grandiosa bondade, misturou-se à sua paixão. E, debruçando-se, disse-lhe baixo, com os braços abertos:
- Maria, queres casar comigo?”

sábado, 21 de julho de 2007

Os Maias da nossa miséria


“A única coisa a fazer em Portugal (...) é plantar legumes, enquanto que não há uma revolução que faça subir à superfície alguns dos elementos originais, fortes, vivos, que isto ainda encerre lá no fundo. E se se vir então que não encerra nada, demitamo-nos logo voluntàriamente da nossa posição de país para que não temos elementos, passemos a ser uma fértil e estúpida província espanhola e plantemos mais legumes!
O velho escutava com melancolia estas palavras do neto, em que sentia como uma decomposição da vontade, e que lhe pareciam ser apenas a glorificação da sua inércia. Terminou por dizer:
- Pois então façam vocês essa revolução. Mas pelo amor de Deus, façam alguma coisa!”

(...)

“Clamamos por aí, em botequins e livros, «que o país é uma choldra». Mas que diabo! Porque é que não trabalhamos para o refundir, o refazer ao nosso gosto e pelo molde perfeito das nossas ideias?... Vossa Excelência não conhece este país, minha senhora. É admirável! É uma pouca de cera inerte de primeira qualidade. A questão está toda em quem a trabalha. Até aqui, a cera tem estado em mãos brutas, banais, toscas, reles rotineiras... É necessário pô-la em mãos de artistas, nas nossas. Vamos fazer disto um bijou!...”

Os Maias irónicos


“Se o vício se perpetuava, é porque a sociedade, indulgente e romanesca, lhe dava nomes que o embelezavam, que o idealizavam... Que escrúpulo pode ter uma mulher em beijocar um terceiro entre os lençóis conjugais, se o mundo chama a isso sentimentalmente um romance, e os poetas o cantam em estrofes de oiro?”

domingo, 15 de julho de 2007

Os Maias apaixonados

“Insensivelmente, irresistivelmente, Carlos achou-se com os lábios nos lábios dela. A seda do vestido roçava-lhe, com um fino ruge-ruge entre os braços; - e ela pendia para trás a cabeça, branca como uma cera, com as pálpebras docemente cerradas. Le deu um passo, tendo-a assim enlaçada, e como morta; o seu joelho encontrou um sofá baixo, que rolou e fugiu. Com a cauda de seda enrolada nos pés, Carlos seguiu, tropeçando, o largo sofá, que rolou, fugiu ainda, até que esbarrou contra o pedestal onde o senhor conde erguia a fronte inspirada. E um longo suspiro morreu, num rumor de saias amarrotadas.”

Esta é para ti Carla. Podemos ter os nossos arrufos, mas ainda suspiro por ti...

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Os Maias caricaturais

“Uma das espanholas era um mulherão trigueiro, com sinais de bexigas na cara; a outra, muito franzina, de olhos meigos, tinha uma roseta de febre, que o pó-de-arroz não disfarçava. Ambas vestiam de cetim preto e fumavam cigarro. E na luz e na frescura que entrava pela janela, pareciam mais gastas, mais moles, ainda pegajosas da lentura morna dos colchões, e cheirando a bafio de alcova. Pertencendo à súcia havia outro sujeito, gordo, baixo, sem pescoço, com as costas para a porta e a cabeça sobre o prato, babujando uma metade de laranja.”

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Os Maias atraiçoados


“Estava furioso. Nesse momento odiava Raquel – não perdoando ao seu ídolo ter-se deixado desfazer à paulada. Lembrava-se justamente da bengala do Cohen, um junco da Índia, com uma cabeça de galgo por castão. E aquilo zurzira as carnes que ele tinha apertado com paixão!. Aquilo pusera vergões roxos onde os seus lábios tinham avivado sinais cor-de-rosa! E tinham «feito as pazes». E assim terminava, reles e chinfrim, o melhor romance da sua vida! Preferiria sabê-la morta, a sabê-la espancada. Mas não! Levava a sova, deitava-se depois com o marido, e ele mesmo, decerto arrependido, chamado-lhe nomes doces, a ajudava, em ceroulas, a fazer as aplicações de arnica! Aquilo acabava em arnica!”.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Os Maias bucólicos

“Houve outra vez um silêncio no terraço. Dentro, a partida continuava. Para lá da sombra do toldo, agora, o sol ia aquecendo, batendo a pedra, os vasos de louça branca, numa refracção de ouro claro em que palpitavam as asas das primeiras borboletas voando em redor dos craveiros em flor: em baixo, o jardim verdejava, imóvel na luz, sem um bulir de ramo, refrescado pelo cantar do repuxo, pelo brilho líquido da água do tanque, avivado, aqui e além, pelo vermelho ou o amarelo das rosas, pela carnação das últimas camélias... O bocado de rio que se avistava entre os prédiosera azul-ferrete como o céu: e entre rio e céu, o monte punha uma grossa barra verde-escura, quase negra no resplendor do dia, com os dois moinhos parados no alto, em duas casinhas alvejando em baixo, tão luminosas e cantantes que pareciam viver. Um repouso dormente de domingo envolvia o bairro: e, muito alto, no ar, passava o claro repique de um sino.”

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Episodios da Vida de um Leitor: Os Maias


Há dois anos tive o prazer de fazer um curso de escrita narrativa leccionado por Mário de Carvalho. Naturalmente eram sete cães a um osso para ter uma oportunidade de ouvir e aprender com este escritor que muito admiro. Na entrevista de triagem, que me orgulho de ter passado com distinção, entre outras questões, o Mário de Carvalho perguntou-me se eu já tinha relido os Maias, desde que a isso fui obrigado na escola. Confessei que não, mas se um escritor daquele gabarito me alerta para a importância de o fazer (sou um bocado influenciável por quem admiro, confesso...), passei a assumir a tarefa de reler os Maias como uma das etapas fundamentais da minha quimera pela literatura portuguesa.

É por isso com orgulho que anuncio que aos 35 anos decidi finalmente reler os Maias do nosso Eça. Com orgulho, com arrependimento (porque devia era tê-lo feito mais cedo) e sobretudo com enorme prazer, pois em dois dias que levo de Maias, já marcharam para cima de 200 páginas (e isto só ao serão porque de dia tenho de labutar). Até dou por mim a pensar que só me apetece que chegue o conforto da noite para eu me aconchegar ao Eça e aos Maias. E ao sábio Afonso, ao herói da fita Carlos, ao Pedro (o fraco!...) e à Maria Monforte (a ordinária!...), ao Ega, ao Dâmaso, ao Alencar, ao Vilaça, à Gouvarinho, aos Cohen (ainda não cheguei à Maria Eduarda, mas pelo andar das páginas, pouco faltará)... E a Santa Olávia e ao Ramalhete. E aos adjectivos mil, aos enredos infindáveis e aos ambientes cinematográficos. E ao Portugal de oitocentos em pleno estertor monárquico que Eça retrata e descreve com uma elegância, humor e rigor únicos, e que nos faz recordar que Portugal continua a ser uma “choldra ignóbil” incapaz de se regenerar.

Nos próximos dias, sempre que a oportunidade me surgir, hei-de deixar aqui umas passagens deste épico maior da nossa língua que se deve ler por gozo (e que gozo...) e nunca por obrigação. Apesar de cada palavra que me entra pelos olhos me comunique que deve ser uma obrigação de todos os portugueses sãos de espírito ler os episódios da vida romântica dos Maias de fio a pavio.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Ao Kamba Pepetela


Acabei de ler o meu primeiro Pepetela e comecei pelo fim com “Predadores”, que é um ponto de partida tão bom como qualquer outro. Fiquei desde logo encantado com tudo aquilo que aprendi e percebi sobre o maravilhoso linguajar angolanês e sobre a história recente de Angola, desde a descolonização portuguesa até hoje, num romance intenso e empolgante, que se lê de um fôlego.

Um livro onde se subentende o passado de luta pelo MPLA de Pepetela e a mágoa que o marca a cedência de muitos dos seus companheiros de independência às “gasosas” e ao novo-riquismo. Um livro que sublinha o contraponto entre os angolanos que lutam pelo futuro de Angola e os angolanos que lutam (a qualquer custo) pelo seu próprio futuro, com avultadas contas fora do país e sem qualquer tipo de empenho na melhoria cada vez mais urgente da qualidade de vida de um país que cresce a uma velocidade imensa, mas só para alguns (muito poucos) e à custa da miséria de tantos.

Um livro com uma forte crítica ao aburguesamento dos angolanos que trabalham para o Estado e que sobem na vida à conta das benesses ilícitas que isso lhes trouxe, com a brilhante personagem principal de Vladimiro Caposso, do Catete, no epicentro. Vladimiro porque quando era jovem ficava bem adoptar nomes revolucionários. Do Catete porque era mais fácil subir se se assumisse como local de nascimento a terra do chefe revolucionário. Uma triste farsa perante a qual não se consegue deixar de sorrir, porque apesar da tristeza, a escrita de Pepetela é de uma alegria contagiante.

Um livro onde fica patente o ódio a todos estrangeiros por parte destes novos ricos, uma falsa desculpa para quem não soube enriquecer a si próprio ao mesmo tempo que enriquecia Angola. Um livro onde é exposta às claras a incapacidade destes “revolucionários” angolanos de governar um país com tanto de riqueza como de guerra. Deve ser precisamente por isso que me veio constantemente à memória a fábula de George Orwell sobre o triunfo dos porcos que expulsaram os humanos da quinta, para no fim acabarem como eles. Pelos visto, o caciquismo foi mesmo uma das principais heranças deixadas pelos portugueses em Angola.

Um livro que começa ainda no tempo da guerra colonial e da esperança por um mundo melhor, e acaba no início de 2005, após (apenas) três natais consecutivos de paz que justificam plenamente a interrogação que Pepetela deixa no ar: até quando?

Para terminar, obrigado a Pepetela por me dar a ler este fresco sobre a Angola pós-Portugal, pela simpatia com que se deixou abordar por mim na Feira do Livro deste ano e pelo autógrafo cordial que me concedeu, com um afável sorriso de quem nem parece que viveu (e vive) no país que o escolheu para nascer. E uma nota final para o meu primo Álvaro, que foi ganhar o teu “kumbú” para Angola, com melhores intentos do que os estrangeiros retratados nestes “Predadores” - tens de ler este livro.

Pequena nota biográfica:

Pepetela nasceu em Benguela, Angola, em 1941. Licenciado em Sociologia, em Argel, escritor, guerrilheiro, político e representante do MPLA, é actualmente professor na Universidade Agostinho Neto, em Angola, e membro da Comissão Directiva da União de Escritores Angolanos. A atribuição do Prémio Camões, em 1997, confirmou o seu lugar de destaque na literatura lusófona.

domingo, 24 de junho de 2007

Saramago Duplicado


Como é costume quase religioso, todos os anos faço a minha romaria à Feira do Livro. Não para espreitar as novidades, porque essas espreito-as durante todo o ano, mas para gastar mais uns cobres a preços mais em conta. E sempre com o objectivo de engordar a minha conta de livros de autores portugueses. Esta ano abracei pela primeira vez um Pepetela (ao qual aqui voltarei quando acabar de o devorar), mas acabo sempre por adquirir mais alguma coisa dos meus indefectíveis. Um deles é Saramago, que por mero acaso estava no final da sua sessão de autógrafos, já com manifesta falta de paciência, junto ao pavilhão da sua editora de sempre, a Caminho. Outra coincidência foi que o livro do dia era (naturalmente) um Saramago que eu ainda não tinha lido: "O Homem Duplicado". Lá juntei o útil ao agradável, comprei o livro e enfilei-me com os restantes bajuladores do Prémio Nobel. Nos 5 minutos que esperei ainda pensei em arranjar alguma coisa inteligente para dizer ao senhor, mas acabei por ficar mais entusiasmado com a perspectiva de ler um livro que já aguardava por mim há algum tempo do que propriamente com a personagem que Saramago é. Aliás, Saramago é para mim o caso perfeito de que não se tem de apreciar pessoalmente o autor para apreciar imensamente o seu trabalho.

E não é o autógrafo que ornamenta as primeiras páginas do meu Homem Duplicado que torna esta obra maior. É a simples ideia de um professor de História que um dia, por mero acaso, enquanto vê um filme em casa, descobre que uma personagem completamente secundária é a sua cara chapada. A obessão de Tertuliano Máximo Afonso pelo seu duplicado adensa-se ao longo do livro até conseguir conhecer António Claro, que não só é realmente a cara chapada de Tertuliano, como a voz, a altura, os sinais e tudo o mais. Tudo o mais fisicamente, porque psicologicamente são as suas diferenças que os vão lançar num abismo que revelarei, porque é a ler que a gente se entende.

Posso sim revcelar que este é livro que tem a intensidade kafkiana de "Todos os Nomes" e a universalidade que deu ao autor um merecido Prémio Nobel. Na minha conta pessoal este foi o 10º Saramago e ainda há mais alguns na calha. Quem diz que ele é um autor difícil ou é porque não gosta, ou mais provavelmente é porque não o leu. Vale realmente a pena, não só porque este senhor trata muito bem a nossa língua, tem um estilo muito próprio e sabe contar histórias sempre com um sentido metafórico muito apurado. E até pode ter mau feitio e ser rabujento que eu pelo menos não o levo a mal. Só lhe levo a mal é se ele se for embora deste mundo sem me deixar mais umas páginas de calorosa leitura.

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