quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Um Estranho em Goa de José Eduardo Agualusa

José Eduardo Agualusa é um daqueles autores lusófonos sobre cuja obra ainda não me debrucei devidamente. Mas há já algum tempo que sinto vontade de explorar a sua escrita, que cruza o país de nascimento do autor, Angola, com Portugal, Brasil, Índia, enfim, todo o mundo falante de português. Uma escrita que conta histórias que ligam estes países, histórias ricas em passados recentes e longínquos, grandes aventuras e pequenas curiosidades, todo um universo daquilo a que se poderá chamar cosmopolitismo lusófono.

Os dois únicos livros que (ainda) li de Agualusa reforçam precisamente esta lusofonidade. Primeiro foi “Nação Crioula”, onde o autor regressa ao passado colonial para contar a história do misterioso amor entre o aventureiro português Carlos Fradique Mendes e Ana Olimpia Vaz de Caminha, que tendo nascido escrava, foi uma das pessoas mais ricas e poderosas de Angola.

Esta semana acabei de ler (de rajada) “Um Estranho em Goa” (Biblioteca Editores Independentes), um livro que cabe no bolso mas que nos leva muito longe, geografica e imaginariamente. Antes de mais é um livro que se pode colocar na prateleira dos livros de viagem, com uma clara inspiração em Bruce Chatwin. Mas é muito mais do que isso. É um livro passado naquela antiga colónia portuguesa, que aborda a relação política e emocional dos goeses com o passado português e a actualidade indiana.

Mas é ainda mais do que isso. É um livro escrito na primeira pessoa, onde a personagem principal é o próprio autor, e onde a realidade e a ficção andam de mãos dadas, com a realidade a dar credibilidade à história e a ficção a condimentar cada palavra com sabores únicos, não estivesse a Índia em pano de fundo. Sintomático da musicalidade que Agualusa dá às palavras é o último capítulo do livro, que se deve saborear em voz alta, onde o autor elenca uma série de sinónimos de diabo, em português de Goa, Angola, Portugal e Brasil.

Mas continua a haver mais. O motivo da viagem a Goa de Agualusa é a procura pelo autor de uma personagem angolana refugiada em Goa. Personagem essa, curiosamente chamada Plácido Domingo (mais um fait-divers que contribui para o encanto da história), que participou na guerra contra Portugal, e que fugiu para a Índia por estranhos motivos que ciclicamente alimentam o enredo do livro. Um livro sobre passados que se querem esquecer, tal como o passado de diáspora português é cada vez mais uma matéria de nevoeiros e saudades.

Tudo isto, e muito mais, em pouco mais de 150 páginas, a que ninguém deve ficar estranho, porque está repleto de cheiros, cores, amores, misticismos, sentimentos e palavras da lusofonia portuguesa, africana, brasileira e asiática. Talvez tudo se possa resumir à grande questão que surge num virar de página, mas que paira sobre todo o livro: o que é ser português?

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