quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Mário Cláudio – Mestre das Letras


Há anos que andava à procura de “Amadeo”, um romance biográfico (uma «psico-socio-biografia», nas palavras do autor) sobre o maior pintor português de todos os tempos, publicado em 1984 e desaparecido das prateleiras das livrarias. Fui encontrá-lo na feira de livros usados que se realiza no Chiado, quando ele me acenou com a sua capa de uma banca repleta de preciosidades. Senti aquele arrepio que devem sentir todos os que, como eu, se perdem pelas letras e por objectos desejados e difíceis de encontrar.

Para além desta emoção que esta descoberta me tomou, qual brinquedo de criança, esta obra tem o condão de conjugar o meu pintor português preferido e um dos autores mais estimulantes da nossa contemporaneidade. Um autor que tem o dom da palavra como ninguém e que coloca nelas aquele requinte cosmopolita típico do Norte de Portugal. Um autor com quem estamos constantemente a aprender novas palavras, ou se calhar velhas palavras que não podem cair no esquecimento, palavras que têm um sabor especial no palato intelectual e que compõem enredos nem sempre fáceis, aliás sempre exigentes e, por isso mesmo, desafiantes e imperdíveis. Enredos onde a arte da literatura se confunde com a arte das belas-artes e a arte da nossa história e da história universal.

A mais recente obra do autor, “Camilo Broca”, é uma viagem alucinante à história dos antepassados de Camilo Castelo Branco, onde a fronteira entre ficção e realidade é extremamente ténue, mas onde se compreende toda a obra e a personalidade de Camilo. Uma verdadeira obra de arte da literatura portuguesa. Aconselha-se ainda vivamente a trilogia “Ursamaior”, “Orion” e “Gémeos”, descrita pelo autor como relacionada com “situações de alguma marginalidade” e “discurso problemático com o poder”, transversais a três gerações de personagens, uma por volume.

Um autor para ler e reler, com muitas entrelinhas.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Private Joke


Carla, esta descobri no "Um Estranho em Goa" do Agualusa e é para ti:

“Uma mulher muito esguia, e de gestos tão suaves e vagarosos que imediatamente me lembrou uma garça”.

Um Estranho em Goa de José Eduardo Agualusa

José Eduardo Agualusa é um daqueles autores lusófonos sobre cuja obra ainda não me debrucei devidamente. Mas há já algum tempo que sinto vontade de explorar a sua escrita, que cruza o país de nascimento do autor, Angola, com Portugal, Brasil, Índia, enfim, todo o mundo falante de português. Uma escrita que conta histórias que ligam estes países, histórias ricas em passados recentes e longínquos, grandes aventuras e pequenas curiosidades, todo um universo daquilo a que se poderá chamar cosmopolitismo lusófono.

Os dois únicos livros que (ainda) li de Agualusa reforçam precisamente esta lusofonidade. Primeiro foi “Nação Crioula”, onde o autor regressa ao passado colonial para contar a história do misterioso amor entre o aventureiro português Carlos Fradique Mendes e Ana Olimpia Vaz de Caminha, que tendo nascido escrava, foi uma das pessoas mais ricas e poderosas de Angola.

Esta semana acabei de ler (de rajada) “Um Estranho em Goa” (Biblioteca Editores Independentes), um livro que cabe no bolso mas que nos leva muito longe, geografica e imaginariamente. Antes de mais é um livro que se pode colocar na prateleira dos livros de viagem, com uma clara inspiração em Bruce Chatwin. Mas é muito mais do que isso. É um livro passado naquela antiga colónia portuguesa, que aborda a relação política e emocional dos goeses com o passado português e a actualidade indiana.

Mas é ainda mais do que isso. É um livro escrito na primeira pessoa, onde a personagem principal é o próprio autor, e onde a realidade e a ficção andam de mãos dadas, com a realidade a dar credibilidade à história e a ficção a condimentar cada palavra com sabores únicos, não estivesse a Índia em pano de fundo. Sintomático da musicalidade que Agualusa dá às palavras é o último capítulo do livro, que se deve saborear em voz alta, onde o autor elenca uma série de sinónimos de diabo, em português de Goa, Angola, Portugal e Brasil.

Mas continua a haver mais. O motivo da viagem a Goa de Agualusa é a procura pelo autor de uma personagem angolana refugiada em Goa. Personagem essa, curiosamente chamada Plácido Domingo (mais um fait-divers que contribui para o encanto da história), que participou na guerra contra Portugal, e que fugiu para a Índia por estranhos motivos que ciclicamente alimentam o enredo do livro. Um livro sobre passados que se querem esquecer, tal como o passado de diáspora português é cada vez mais uma matéria de nevoeiros e saudades.

Tudo isto, e muito mais, em pouco mais de 150 páginas, a que ninguém deve ficar estranho, porque está repleto de cheiros, cores, amores, misticismos, sentimentos e palavras da lusofonia portuguesa, africana, brasileira e asiática. Talvez tudo se possa resumir à grande questão que surge num virar de página, mas que paira sobre todo o livro: o que é ser português?

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Uma viagem (muito) curta

Confesso que sou admirador de Paul Auster há muitos anos, desde que há cerca de 15 anos o li pela primeira vez “No País das Últimas Coisas”, quando o senhor ainda era um ilustre desconhecido, ou então ainda não vendia o suficiente para ser aclamado pela crítica, nomeadamente a portuguesa, que sempre o aclamou.

Fiquei desde logo cativado pelas histórias “on the road” cinematográficas, pelos universos paralelos criados, irrealmente reais e profundamente americanos, que se confirmaram em livros que nunca esquecerei, como “A Trilogia de Nova Iorque”, “A Música do Acaso” (este é capaz de ser o meu preferido), “Mr. Vertigo” ou “Leviathan”.

Confesso também que se a costela cinematográfica de Auster sempre me cativou nos seus livros, a transposição para a tela nunca teve o mesmo efeito encantatório: “Lulu On The Bridge” é mesmo muito fraco. Como confesso ainda que o elevar do estatuto do senhor aos píncaros da literatura internacional, assim como a minha dedicação às letras portuguesas na última década, me afastou de Paul Auster. Continuo a lê-lo, é verdade, mas já não com o mesmo entusiasmo e intimismo, e isso reflectiu-se na leitura (demasiado) rápida e fácil do mais recente “Viagens no Scriptorium”.

Este é um livro em que Auster repete as suas fórmulas do costume, como por exemplo a introdução de histórias paralelas dentro da história principal; o fechar kafkiano da personagem principal dentro de um espaço confinado, sem se saber de onde ela vem e para onde vai, sendo que no caso de “Viagens no Scriptorium” esta incerteza mantém-se até ao fim. E quando a coisa começa a pegar, Auster fecha o livro deixando-nos claramente com água na boca. Será que o facto da personagem principal ser supostamente um homem culpado dos mais hediondos crimes justifica a decisão expressa explicitamente pelo autor em deixar a sua personagem principal suspensa, sendo que quem fica suspenso é o leitor e eu, nesse papel, não gosto de ficar suspenso? Será que Auster está à procura de uma abordagem mais experimental? Ou será que já não sabe como acabar uma história? Ou será ainda que “Viagens no Scriptorium” é apenas um livro menor numa obra com alguns maiores muito interessantes?

A minha Carla não gostou mesmo nada, e ela também tem sido uma leitora fiel de Auster. Ficou irritada com a opção do autor: “tanta coisa para nada” disse-me ela. Depois de ler compreendi a reacção dela, mas confesso (e é a última vez que o faço neste texto) que não fiquei irritado. Tentei justificar, a mim e a ela, a opção por aquele fim, mas provavelmente o que estou aqui a fazer é tentar justificar uma relação que de tantos anos e tantos livros que ainda não estou preparado para perder por completo. Pelo menos na esperança de que a próxima viagem de Paul Auster vá mais longe do que esta que se fica pelo scriptorium.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Duas leituras políticas obrigatórias

Estes últimos dias voltei às minhas leituras político-históricas, uma área à qual volto sempre. ou da qual nunca sequer saio. A ocasião deste regresso prende-se com duas edições recentes, uma no formato livro e outra no formato revista.

O primeiro é a “História da Pide” de Irene Pimentel, um livro que já se tornava cada vez mais urgente e que ainda bem que saiu pela pena desta autora, uma das mais profícuas e interessantes na História da nossa contemporaneidade. Ainda não me aventurei nas muitas páginas do livro, mas ele é sem dúvida uma excelente mais valia para juntar à minha recolha de textos sobre a polícia política do Estado Novo. Saúda-se ainda a pretensão da autora em realizar uma série documental para a televisão sobre o mesmo tema, uma tarefa hercúlea, se pensarmos no curto espaço de tempo que ainda nos separa do fenómeno, no peso emocional que este tema arrasta e nos muitos pides e informadores envolvidos que ainda se escondem na escuridão do anonimato. Não se saúda (para variar) os media nacionais e todos aqueles que não percebem que para fazer este tipo de estudo é fundamental escolher uma de muitas abordagens possíveis e manter um distanciamento científico - a única coisa que ouvi referirem sobre o livro, à laia de total falta de esclarecimento, foi o facto da autora ter concluído em termos estatísticos que a Pide foi menos torcinária que as suas congéneres europeias, o que não significa, como a própria autora reforça, que tenha sido menos aterradora. Enfim, polémicas à parte, estamos perante um documento tão essencial para as gerações actuais e vindouras compreenderem a nossa história mais recente como a série sobre a Guerra Colonial que actualmente está a ser transmitida na RTP.

A segunda edição que trago aqui é o canto do cisne da Revista História, que afinal parece que poderá não ser assim tanto um canto de cisne, porque poderá haver novidades já no início de 2008 (a acompanhar no site oficial da revista , o qual neste momento deixa muito a desejar). Para já fiquemos com esta edição especial da História, acabada de sair para as bancas e dedicada aos 90 anos da Revolução Soviética de 1917. Poder-se-á dizer que editorialmente os conteúdos denotam uma orientação mais de esquerda dos seus autores (sem conotações pejorativas), que se nota logo na afirmação algo determinista do primeiro artigo da autoria de Valério Arcary, segundo o qual “Outubro foi a revolução que mudou o mundo”. Mas não é com certeza por isso que esta edição especial da revista História deixa de apresentar um conjunto de artigos e entrevistas que nos ajudam comprender, de uma forma geral, mas muito assertiva, este fenómeno tão central como efémero, e tão esperançoso como tenebroso, da História do Séc. XX, tornando-a assim uma aquisição obrigatória.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da Liberdade e da Escravidão

A liberdade “representa um estado de esforço alegre e doloroso; alegre, porque dá ao homem a consciência do seu valor; e doloroso porque lhe exige trabalho nos dias de paz e a vida nas horas de guerra. A escravidão é feita de descanso e tristeza”.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da Filosofia (ou ausência dela)

“O português não é nada filosofo; a luz do seu olhar alumia mais do que vê; não abrange, num golpe de vista, os conhecimentos humanos, subordinando-os a uma lógica perfeita e nova que os interprete num todo harmonioso”.

“O génio lusíada é mais emotivo que intelectual. Afirma e não discute. Quando uma ideia se comove, despreza a dialéctica; e é sendo e não raciocinando que ele prova a sua verdade”.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes – Princípios da raça portuguesa

“Portugal é uma Raça, porque existe uma Língua portuguesa, uma Arte, uma Literatura, uma História (incluindo a religiosa) – uma actividade moral portuguesa; e, sobretudo, porque existe uma Língua e uma História portuguesas”.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da Politica

“Devemos atender ao corpo e deixar o vestuário. Em politica, sejamos médicos, higienistas, enfermeiros, mas, de nenhum modo, alfaiates. Corrigir em vez de destruir é um Sábio preceito económico. República, Monarquia são coisas secundárias. Portugal é tudo”.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A Arte de Ser Português segundo Teixeira de Pascoaes - Princípios da poesia

“Na Poesia aparece a alma de um Povo, no que ela tem de mais profundo e misterioso”.

“Deus é o Homem infinito. E o poeta fala, entre os homens, a linguagem de Deus, para que eles se reconheçam na própria natureza etérea e progridam moralmente”.

“Se a Ciência é a realidade das coisas fora de nós, a Poesia é a sua realidade dentro de nós. A Ciência vê; a Poesia visiona, transcendentaliza o objecto contemplado; eleva o real ao ideal”

Directory of Books Blogs Blog Directory Add to Technorati Favorites