terça-feira, 29 de maio de 2007

Villa Matas me mata...

Estou a ler o meu primeiro Enrique Vila Matas. Descobri-o nas páginas do Jornal de Letras. Confesso que o que mais me entusiasmou à partida foi o facto do senhor ser espanhol, mais precisamente catalão, mas também a influência auto-assumida de Kafka, uma das minhas pedras literárias basilares, mas sobretudo a figura do senhor, que, não sei porquê, me faz sempre lembrar Truman Capote. Tem uma aura misteriosa e impenetrante e ao mesmo tempo reveladora de um sentido de humor sarcástico e mesmo negro. Um ícone portanto, que é mesmo o que Vila Matas parece que se está a tornar, quanto mais não seja pelo sucesso que tem revelado mundialmente. Há mesmo quem diga que é mesmo o melhor narrador em espanhol no activo.

Podia ter ido para “História Abreviada da Literatura Portátil”, “Bartleby e Companhia” ou “Suicídios Exemplares” (a eles irei com certeza no futuro), mas escolhi propositadamente para primeiro livro uma obra menos conhecida, ou pelo menos menos badalada. Peguei num livro, simplesmente porque o título surgiu-me como extremamente sugestivo: “Filhos Sem Filhos”, um livro que conta em pequenos contos a história de Espanha dos últimos 41 anos. 41 anos porque foi esta a idade com que Kafka morreu (lá está...). Contos protagonizados por pessoas sem filhos, mas constantemente assombrados pelas memórias das suas próprias infâncias. Pessoas sem filhos que não se conseguem libertar do facto de eles próprios serem ou terem sido filhos. Um livro sobre o surrealismo da vida quotidiana (lá está Kafka outra vez) embrulhado por um humor contagiante e uma escrita cativante.

Isto para concluir que já percebi porque é que Enrique Vila Matas é um sucesso. Porque é um desafio que se lê sofregamente. Não sei porquê, ou talvez por isso mesmo, para além de Kafka, outro autor que me está sempre a vir à cabeça é Paul Auster. Pode não ter nada a ver, mas a imaginação do leitor tem destas coisas. E são estas coisas (associações, ligações, emoções, visões...) que fazem da leitura a melhor playstation do mundo. E ainda por cima aprende-se qualquer coisa.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Adolfo Rocha ou Miguel Torga ou Portugal

Faz 100 anos que nasceu Adolfo Rocha, entretanto falecido Miguel Torga em 1995. Independentemente de concordar ou não com a criação de efemérides para recordar determinadas personalidades, que na maioria dos casos caem no esquecimento fora delas, esta efeméride específica tenho de comemorar, porque Miguel Torga faz parte do meu imaginário literário praticamente desde que comecei a ler. Ainda hoje acho que é uma sorte para todos os estudantes terem a possibilidade (ou será que é obrigatoriedade? mesmo assim...) de ler os “Bichos” na escola - confesso que não sei se esta pérola da nossa literatura ainda faz parte dos programas curriculares de Português.

Há cerca de meia dúzia de anos, por ocasião da reedição das obras de Miguel Torga pela Dom Quixote, comprei um livro com todos os contos do autor compilados em mais de 800 páginas. (Re)li os Contos da Montanha, os Novos Contos da Montanha, os Bichos e tudo o resto em menos de um mês, com uma avidez e uma alegria extasiantes. Poucos devem ter descrito o Portugal profundo com tanta imaginação e sem cair em catalogações surrealistas, neo-realistas ou outros istas que tais.

Pessoalmente, a seguir a Pessoa, Miguel Torga devia ter sido o segundo Prémio Nobel da literatura portuguesa. Porque foi o seu próprio editor, o seu próprio crítico, o seu próprio impulsionador e o seu próprio autor. Não tivesse ele dito um dia: “nasci subversivo. A começar por mim - meu principal motivo de insatisfação”. Mas como o Nobel é cada vez mais um prémio politico e não um prémio literário ficamos assim. Mas ficamos bem, porque, pelo menos para mim, é uma honra ter a mesma pátria de tão brilhante contador de histórias, imagens e portugalidades.

Para lembrar Torga todos os dias, transcrevo um pequeno excerto do "O Terceiro Dia" da “Criação do Mundo”:

“Petrópolis apareceu daí a pouco, envolta numa penumbra perfumada de cravos. Depois começou a descida para o Rio, vagarosa, íngreme, dentro do véu espesso da noite. Até que o barracão horizontal da Leopoldina Railway, cheio de luz, pôs fim ao torpor da viagem.
A cidade, agora, tinha outra realidade. O ingénuo rapazinho que a vira em espanto e desespero à chegada do Arlanza, morrera. O carro que desta vez me levava vertiginosamente pela Avenida do Mangue, movimentava as coisas mas não as tornava siderais. No Hotel Globo, onde nos hospedámos, o porteiro agaloado, o telefone à cabeceira da cama e o pequeno-almoço servido no quarto eram trivialidades naturais. Nem a baía da Guanabara, no dia seguinte, conseguiu fazer transbordar a taça dos sentidos. A própria beleza deixara de ser uma nebulosa nos meus olhos. O informe começava a ter linhas, cores e volumes. A imensa concha azul, que grandes e pequenas ilhas salpicavam de verdura, e a teoria de montes à volta, que lembravam gigantes tornados Narcisos à beira das àguas, só como certezas físicas se prestavam aos devaneios da imaginação. O mundo pedia-me lucidez antes de cada deslumbramento. Se novamente o táxi atropelasse um pobre transeunte, e o motorista, para evitar complicações, o deixasse também ao abandono no meio da rua, eu saberia opor à desumanidade pelo menos um protesto.
Saberia isso, da mesma maneira que sabia ouvir claramente, entendendo-lhe todas as intenções, o diálogo travado na casa Soares&Companhia. Meu tio, ainda lembrado do acolhimento desdenhoso que me fora dispensado na altura do desembarque, a tirar a desforra:
- Este é aquele bichinho de toca que esteve comigo aqui à chegada de Portugal...Lembra-se? Primeiro aluno do Ginásio de Ribeirão e futuro doutor de Coimbra...
E o gerente, a fazer-se desentendido:
- Muita hora, e felicidades...
- Obrigado, e prazer, também... - respondi, com ar irónico.
Crescera por fora e por dentro. Nem a mais leve sombra da confusão de outrora. Atento à ronha dos interlocutores e aos mínimos pormenores da conversa. O numero aproximado de arrobas de café da próxima colheita, informações do deve e do haver do comprador da fazenda, as condições de pagamento da venda realizada, a crise que se aproximava., as saudades da pátria que o senhor Marques curtia Há vinte e cinco anos, a sua aldeia, a mãe que morrera de velhice no inverno passado, e o pedaço de asno dum cunhado que lhe dava cabo de meia dúzia de oliveiras que herdara...
Aprendera a objectivar a vida. Caminhava no chão. As palavras, os gestos e o próprio silêncio assumiam finalmente a crua função expressiva [...]”.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Covasdauro no 221B da Baker Street


Sherlock Holmes faz parte do meu imaginário desde que aprendi a ler. Os livros de Sir Arthur Conan Doyle dedicados ao maior detective de todos os tempos acompanharam muitos dos meus primeiros verões como leitor.

Desde sempre me fascinou a personagem. Pela sua arrogância e genialidade. Pela sua indefinição sexual e dependência de drogas. Pelo seu lado negro que o torna ainda mais fascinante. Pelo actor Jeremy Brett que, na minha opinião, foi a mais poderosa encarnação de Holmes entre 1984 e 1994, na famosa série da Granada Television.

Fascínio pelo qual também é “culpado” o autor. Pela multilinearidade das aventuras e pela inteligência dos enredos, que me obrigaram a puxar pela cabeça desde muito cedo, sempre à procura da solução para o mais misterioso dos mistérios. Pelo brilhantismo de colocar o companheiro Watson a contar as histórias, oferecendo-lhe assim um protagonismo que diminuiria consideravelmente caso ele não fosse o narrador. Pela imensidão da obra dedicada a uma única personagem, com 56 contos e 4 novelas.

E porquê esta declaração apaixonada a Sherlock Holmes? Porque este ano tive o prazer de regressar a Londres, 10 anos depois da minha última visita, para um fim de semana turístico na companhia da minha amada. E qual não foi o meu espanto quando descobri que ia ficar instalado na famosa Baker Street de Sherlock Holmes. E que nem por acaso o hotel onde ficámos chamava-se precisamente Sherlock Holmes Hotel, ali a pouco mais de 100 metros do nº 221B, onde Sherlock Holmes viveu, hoje um museu dedicado a esta fascinante personagem da literatura mundial.

Claro que ainda nem tinha saído de Lisboa e já estava em pulgas para visitar o covil de Sherlock Holmes, cujo registo fotográfico fica aqui exposto, com um auto-retrato sherlockiano à cabeça e duas imagens da estação de metro de Baker Street, a primeira em todo o mundo. E claro que regressei a Lisboa com um livro (desta feita em inglês), “The Case Book of Conan Doyle”, que compila as últimas (e mais negras) aventuras idealizadas por Conan Doyle. Mas estou em crer que a minha relação com Sherlock Holmes não vai ficar por aqui. Pelos menos enquanto houver Moriartys a vaguear por este mundo...












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