domingo, 24 de junho de 2007

Saramago Duplicado


Como é costume quase religioso, todos os anos faço a minha romaria à Feira do Livro. Não para espreitar as novidades, porque essas espreito-as durante todo o ano, mas para gastar mais uns cobres a preços mais em conta. E sempre com o objectivo de engordar a minha conta de livros de autores portugueses. Esta ano abracei pela primeira vez um Pepetela (ao qual aqui voltarei quando acabar de o devorar), mas acabo sempre por adquirir mais alguma coisa dos meus indefectíveis. Um deles é Saramago, que por mero acaso estava no final da sua sessão de autógrafos, já com manifesta falta de paciência, junto ao pavilhão da sua editora de sempre, a Caminho. Outra coincidência foi que o livro do dia era (naturalmente) um Saramago que eu ainda não tinha lido: "O Homem Duplicado". Lá juntei o útil ao agradável, comprei o livro e enfilei-me com os restantes bajuladores do Prémio Nobel. Nos 5 minutos que esperei ainda pensei em arranjar alguma coisa inteligente para dizer ao senhor, mas acabei por ficar mais entusiasmado com a perspectiva de ler um livro que já aguardava por mim há algum tempo do que propriamente com a personagem que Saramago é. Aliás, Saramago é para mim o caso perfeito de que não se tem de apreciar pessoalmente o autor para apreciar imensamente o seu trabalho.

E não é o autógrafo que ornamenta as primeiras páginas do meu Homem Duplicado que torna esta obra maior. É a simples ideia de um professor de História que um dia, por mero acaso, enquanto vê um filme em casa, descobre que uma personagem completamente secundária é a sua cara chapada. A obessão de Tertuliano Máximo Afonso pelo seu duplicado adensa-se ao longo do livro até conseguir conhecer António Claro, que não só é realmente a cara chapada de Tertuliano, como a voz, a altura, os sinais e tudo o mais. Tudo o mais fisicamente, porque psicologicamente são as suas diferenças que os vão lançar num abismo que revelarei, porque é a ler que a gente se entende.

Posso sim revcelar que este é livro que tem a intensidade kafkiana de "Todos os Nomes" e a universalidade que deu ao autor um merecido Prémio Nobel. Na minha conta pessoal este foi o 10º Saramago e ainda há mais alguns na calha. Quem diz que ele é um autor difícil ou é porque não gosta, ou mais provavelmente é porque não o leu. Vale realmente a pena, não só porque este senhor trata muito bem a nossa língua, tem um estilo muito próprio e sabe contar histórias sempre com um sentido metafórico muito apurado. E até pode ter mau feitio e ser rabujento que eu pelo menos não o levo a mal. Só lhe levo a mal é se ele se for embora deste mundo sem me deixar mais umas páginas de calorosa leitura.

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