segunda-feira, 2 de julho de 2007

Ao Kamba Pepetela


Acabei de ler o meu primeiro Pepetela e comecei pelo fim com “Predadores”, que é um ponto de partida tão bom como qualquer outro. Fiquei desde logo encantado com tudo aquilo que aprendi e percebi sobre o maravilhoso linguajar angolanês e sobre a história recente de Angola, desde a descolonização portuguesa até hoje, num romance intenso e empolgante, que se lê de um fôlego.

Um livro onde se subentende o passado de luta pelo MPLA de Pepetela e a mágoa que o marca a cedência de muitos dos seus companheiros de independência às “gasosas” e ao novo-riquismo. Um livro que sublinha o contraponto entre os angolanos que lutam pelo futuro de Angola e os angolanos que lutam (a qualquer custo) pelo seu próprio futuro, com avultadas contas fora do país e sem qualquer tipo de empenho na melhoria cada vez mais urgente da qualidade de vida de um país que cresce a uma velocidade imensa, mas só para alguns (muito poucos) e à custa da miséria de tantos.

Um livro com uma forte crítica ao aburguesamento dos angolanos que trabalham para o Estado e que sobem na vida à conta das benesses ilícitas que isso lhes trouxe, com a brilhante personagem principal de Vladimiro Caposso, do Catete, no epicentro. Vladimiro porque quando era jovem ficava bem adoptar nomes revolucionários. Do Catete porque era mais fácil subir se se assumisse como local de nascimento a terra do chefe revolucionário. Uma triste farsa perante a qual não se consegue deixar de sorrir, porque apesar da tristeza, a escrita de Pepetela é de uma alegria contagiante.

Um livro onde fica patente o ódio a todos estrangeiros por parte destes novos ricos, uma falsa desculpa para quem não soube enriquecer a si próprio ao mesmo tempo que enriquecia Angola. Um livro onde é exposta às claras a incapacidade destes “revolucionários” angolanos de governar um país com tanto de riqueza como de guerra. Deve ser precisamente por isso que me veio constantemente à memória a fábula de George Orwell sobre o triunfo dos porcos que expulsaram os humanos da quinta, para no fim acabarem como eles. Pelos visto, o caciquismo foi mesmo uma das principais heranças deixadas pelos portugueses em Angola.

Um livro que começa ainda no tempo da guerra colonial e da esperança por um mundo melhor, e acaba no início de 2005, após (apenas) três natais consecutivos de paz que justificam plenamente a interrogação que Pepetela deixa no ar: até quando?

Para terminar, obrigado a Pepetela por me dar a ler este fresco sobre a Angola pós-Portugal, pela simpatia com que se deixou abordar por mim na Feira do Livro deste ano e pelo autógrafo cordial que me concedeu, com um afável sorriso de quem nem parece que viveu (e vive) no país que o escolheu para nascer. E uma nota final para o meu primo Álvaro, que foi ganhar o teu “kumbú” para Angola, com melhores intentos do que os estrangeiros retratados nestes “Predadores” - tens de ler este livro.

Pequena nota biográfica:

Pepetela nasceu em Benguela, Angola, em 1941. Licenciado em Sociologia, em Argel, escritor, guerrilheiro, político e representante do MPLA, é actualmente professor na Universidade Agostinho Neto, em Angola, e membro da Comissão Directiva da União de Escritores Angolanos. A atribuição do Prémio Camões, em 1997, confirmou o seu lugar de destaque na literatura lusófona.

2 comentários:

Unknown disse...

Ainda não li mas espero ler. Vou começar outro dele, que está na minha mesa de cabeceira...mas ainda não tive tempo! Pelo menos acho que vou reconhecer muita coisa porque já passei por ela, tal como a célebre gasosa!
Grande Abraço e as melhoras para esse pezinho!

Covas Dauro disse...

Primo, só espero que a gasoa não te dê gases. Cuidado. Tenho saudades tuas...

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