segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Vítimas de Salazar. Vítimas de um "grande português"?

Ainda não li mas já comprei. Está na estante à espera que eu acaba a biografia do Alexandre O'Neill. Mas aparece aqui mencionado para impedir que a estupidez e a mesquinhez que por vezes assola os portugueses impeça que Salazar ganhe o concurso televisivo. Mas não é um ataque à figura de Salkazar. É um livro histórico, concebido e escrito com o rigor e isenção, acima de qualquer suspeita, dos historiadores como João Madeira, Irene Flunser Pimentel e Luís Farinha. No futuro espero falar mais afoitamente deste livro, que abre à memória colectiva a importância de não esquecer o que as ditaduras mundiais fizeram ao nosso Séc.XX. E, neste caso específico, as marcas nocivas que a ditadura salazarista de 48 anos deixou em tantas pessoas. E deixou no atraso que ainda hoje é mais do que óbvio. Para já deixo aqui a publicidade ao livro e a sinopse oficial: "durante mais de 30 anos António de Oliveira Salazar governou Portugal com punho de ferro. Através de um regime nacionalista, autoritário e repressivo despolitizou-se, desmobilizou a participação cívica dos portugueses e criou uma única e determinada imagem do país. Pretensamente sem conflitos, problemas, miséria e dificuldades, segundo a norma de «o que se parece é». Mas os homens e mulheres de então tinham fome, viviam amordaçados pelo lápis azul dos censores, controlados por escutas telefónicas ou violação do seu correio, intimidados pelos informadores que colaboravam com o regime. Atormentados pelas torturas da estátua ou do sono perpetrados pela PIDE. Julgados por tribunais fantoches onde a liberdade ficava à porta e onde os próprios advogados passavam a réus. Se a sua atitude fosse considerada suspeita eram saneados, impedidos de exercer a função pública, exilados ou deportados para campos de concentração, ou simplesmente assassinados. Estes homens e mulheres têm um rosto, sofreram a repressão, enfrentaram-na de forma corajosa e muitos morreram de forma heróica a combatê-la. São as Vítimas de Salazar". Somos todos nós.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Livros da Minha Vida - "Todos os Nomes" de José Saramago


Serve esta secção para abrir as páginas de alguns dos milhares de livros que já marcaram a minha vida até à data (e ainda faltam tantos...). Tinha de começar pelo livro cujo título serviu de inspiração para o nome deste blog: "Todos os Nomes" de José Saramago. E também porque me apeteceu começar com um autor que, apesar de ser o único Nobel português da literatura (injustiça de facto para tantos outros, entre eles Pessoa ou Torga, mas não para Saramago), continua a ser uma personagem não muito querida em Portugal. Como eu não gosto de confundir personalidade com qualidade (que personagem execrável que foi Céline e que maravilhoso é a sua "Viagem ao Fim da Noite"...), tenho de afirmar que gosto, e muito, dos livros de Saramago. Gosto da forma como ele escreve e como demonstra que a pontuação é feita por quem lê e não necessariamente por quem escreve. Gosto dos temas universais que aborda de uma perspectiva por vezes muito microscópica (aliás acho que é este universalismo que lhe vale o prémio Nobel). Gosto da força cinematográfica com que expõe as suas ideias. Gosto porque acho que os livros dele são muito mais acessíveis do que muitos pensam. Gosto por ser um autor de quem muita gente não gosta. Gosto mais de “Ensaio Sobre a Cegueira”, de “As Intermitências da Morte” e de “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, provavelmente o Saramago mais brilhante, e menos de “Evangelho Segundo Jesus Cristo” e “Ensaio Sobre a Lucidez”, mas gosto particularmente de "Todos os Nomes", provavelmente por ser, ou parecer, Saramago no seu mais kafkiano: um funcionário do Arquivo do Registo Civil que um dia começa a coleccionar dados pessoais sobre as pessoas que constam nas fichas do arquivo. Mas há uma ficha de uma mulher que o deixa intrigado ao ponto de ter de saber tudo sobre a vida dela (este determinismo é brilhantemente Kafka). O livro trata assim da busca de uma mulher sem nome por parte de um homem solitário (mais universal que isto é impossível). Momentos altos de “Todos os Nomes” são a descrição labiríntica do arquivo e toda a sequência expressionista do cemitério, ambas do mais inspirado que a língua portuguesa conheceu na pena de Saramago. E já que parece que o “Ensaio Sobre a Cegueira” vai dar filme de Fernando Meirelles (estou muito curioso), porque não um filme de “Todos os Nomes”. Os ingredientes estão todos lá. Quem sabe um filme de Tim Burton?

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

VOTEM NO PESSOA - 760 10 2005


Tive de embarcar nesta coisa dos Grandes Portugueses depois de ver a lista dos 10+, onde figuram personalidades como Álvaro Cunhal e Salazar (se bem que não haja comparação entre o que um pensou e o outro fez). Para mim só há mesmo um Grande Português entre os finalistas: obviamente, Fernando Pessoa. Por ser um português universal, que viu traduzida a sua genialidade por todo o mundo. Pela criatividade da sua escrita e das suas múltiplas personalidades. Pelo uso da língua portuguesa como ninguém. Por ser um ícone, uma «marca portuguesa» (defeito de profissão...). Por tudo isto, gastei 0,60€+IVA para votar no Pessoa. Votem mais cinco também. O próprio, no heterónimo Alberto Caeiro, dá o argumento final:

"Patriota? Não: só português.
Nasci portuuês como nasci louro e de olhos azuis.
Se nasci para falar, tenho que falar uma língua."

Grandes Memórias


Decidi começar este blog poucos meses depois de ter entrado no universo bloguista com um blog sobre música (escape-from-noise.blogspot.com – um pouco de auto-promoção não fica mal a ninguém...), que é um dos meus dois prazeres de eleição a par da literatura. O impulso final deu-se durante a leitura de uma biografia (género literário que me entusiasma cada vez mais), mais concretamente o primeiro volume da auto-biografia de Edmundo Pedro (“Memórias – Um Combate pela Liberdade”, Ãncora editora, 2007). Edmundo Pedro é uma personalidade única, cuja vida espelha aquilo que foi o Séc.XX português. Foi um dos mais jovens comunistas de sempre, tendo aderido ao PCP ainda criança. Esteve preso logo na adolescência e foi um dos «inauguradores» do Campo de Concentração do Tarrafal com apenas 18 anos, tendo ficado por lá até aos 27 – esta parte do livro demonstra, cinematograficamente e com toda a emoção, o pesadelo que viveram os que ali foram enclausurados, a maioria por tempo indefinido e sem acusação formal, como aconteceu com Edmundo Pedro. A morte de amigos e familiares, a separação dos pais, a flor da vida passada atrás de grades não deitaram minimamente abaixo este homem de uma simpatia singular, que fez parte de uma família toda ela implicada no combate contra o salazarismo, com destaque para o pai Gabriel Pedro.

Estas mais de 500 páginas, que se lêem avidamente e num ápice, são ainda uma fonte imprescindível para compreender por dentro e sem «censura» o movimento comunista pré-domínio absoluto de Álvaro Cunhal. Edmundo Pedro, hoje com uns ilustres 88 anos, desencantou-se do comunismo soviético após o regresso do Tarrafal, mas continuou sempre a lutar contra a ditadura e as injustiças da vida, com total entrega, o que lhe trouxe muitas vezes dissabores. Mas esta parte fica para o anunciado segundo volume de umas Memórias que davam um filme, um épico até, escrito com a paixão que os portugueses, quando em estado puro, sabem tão bem colocar no papel.

Hoje, uma das maiores causas de Edmundo Pedro (inglória, mas sempre empenhada, como aconteceu muitas vezes ao longo da sua vida) é a luta para que a antiga sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, seja o museu que merece, doa a quem doer, e não um condomínio privado de luxo, uma forma, luxuosa de facto, de dar cabo da memória negra do fascismo e do Estado Novo. Pelo que Edmundo Pedro continua a ser uma inspiração para quem, como eu, assiste ao branqueamento do Estado Novo e da figura de Salazar (basta assistir ao desplante de Nogueira Pinto no programa Grandes Portugueses) e à injusta comparação (e por isso mesmo incomparável) entre 19 meses de período revolucionário pós-25 de Abril e 48 anos de atraso, provavelmente inultrapassáveis, em que Salazar e os seus sequezes deixaram a pátria lusitana.

Directory of Books Blogs Blog Directory Add to Technorati Favorites