terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Grandes Memórias


Decidi começar este blog poucos meses depois de ter entrado no universo bloguista com um blog sobre música (escape-from-noise.blogspot.com – um pouco de auto-promoção não fica mal a ninguém...), que é um dos meus dois prazeres de eleição a par da literatura. O impulso final deu-se durante a leitura de uma biografia (género literário que me entusiasma cada vez mais), mais concretamente o primeiro volume da auto-biografia de Edmundo Pedro (“Memórias – Um Combate pela Liberdade”, Ãncora editora, 2007). Edmundo Pedro é uma personalidade única, cuja vida espelha aquilo que foi o Séc.XX português. Foi um dos mais jovens comunistas de sempre, tendo aderido ao PCP ainda criança. Esteve preso logo na adolescência e foi um dos «inauguradores» do Campo de Concentração do Tarrafal com apenas 18 anos, tendo ficado por lá até aos 27 – esta parte do livro demonstra, cinematograficamente e com toda a emoção, o pesadelo que viveram os que ali foram enclausurados, a maioria por tempo indefinido e sem acusação formal, como aconteceu com Edmundo Pedro. A morte de amigos e familiares, a separação dos pais, a flor da vida passada atrás de grades não deitaram minimamente abaixo este homem de uma simpatia singular, que fez parte de uma família toda ela implicada no combate contra o salazarismo, com destaque para o pai Gabriel Pedro.

Estas mais de 500 páginas, que se lêem avidamente e num ápice, são ainda uma fonte imprescindível para compreender por dentro e sem «censura» o movimento comunista pré-domínio absoluto de Álvaro Cunhal. Edmundo Pedro, hoje com uns ilustres 88 anos, desencantou-se do comunismo soviético após o regresso do Tarrafal, mas continuou sempre a lutar contra a ditadura e as injustiças da vida, com total entrega, o que lhe trouxe muitas vezes dissabores. Mas esta parte fica para o anunciado segundo volume de umas Memórias que davam um filme, um épico até, escrito com a paixão que os portugueses, quando em estado puro, sabem tão bem colocar no papel.

Hoje, uma das maiores causas de Edmundo Pedro (inglória, mas sempre empenhada, como aconteceu muitas vezes ao longo da sua vida) é a luta para que a antiga sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, seja o museu que merece, doa a quem doer, e não um condomínio privado de luxo, uma forma, luxuosa de facto, de dar cabo da memória negra do fascismo e do Estado Novo. Pelo que Edmundo Pedro continua a ser uma inspiração para quem, como eu, assiste ao branqueamento do Estado Novo e da figura de Salazar (basta assistir ao desplante de Nogueira Pinto no programa Grandes Portugueses) e à injusta comparação (e por isso mesmo incomparável) entre 19 meses de período revolucionário pós-25 de Abril e 48 anos de atraso, provavelmente inultrapassáveis, em que Salazar e os seus sequezes deixaram a pátria lusitana.

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