quarta-feira, 11 de abril de 2007

Chris Ware e Seth em Londres



Livros não são só letras e todos os livros é uma expressão que também tem de compreender o maravilhoso mundo da banda-desenhada. Neste último fim de semana de Páscoa tive a felicidade de passar 3 dias em Londres, uma excelente cidade para abrir a cabeça e o espírito e deixar entrar coisas novas. Um dos espaços que tive o prazer de visitar pela primeira vez foi a Tate Modern. Um edifício poderoso e arrebatador, uma colecção de arte impressionante, uma exposição retrospectiva de Gilbert & George, os revolucionários mais conservadores da arte contemporânea, e vários escorregas gigantes que transportam adultos para o vibrante mundo das crianças. Isto sim é um museu. A loja é um perigo para a carteira e eu não fui excepção à regra. Andava eu à procura de livros sobre arte, design e comunicação, no enquadramento do museu e da minha vida profissional, quando me deparei com uma secção de banda-desenhada que não me deixou passar incólume. Ao rolar os olhos pelas lombadas os meus dedos encontraram duas preciosas novidades de dois dos mais geniais cartoonistas americanos da actualidade: Chris Ware e Seth.

O primeiro é o autor da série Acme Novelty Library, que já vai no volume 17 (precisamente o que comprei), que apesar de ser um projecto épico, tem todos os contornos de um intimismo sonhador (nos desenhos) e arrepiante (nas histórias). Se tivermos em conta que Ware tem por objectivo levar a sua biblioteca da imaginação até ao nº52 e que até à data é raro existir uma edição semelhante à anterior - há volumes menores que A5 e outros que chegam quase ao A2, sempre com um cuidado editorial muito apurado e que chegam invariavelmente à perfeição -, a Acme Novelty Library foi, é e continuará a ser uma das obras-primas da banda-desenhada dos séculos XX e XXI. O 17º obriga à aquisição de tudo o que está para trás e de tudo o que está para vir. Não única e exclusivamente pela continuidade da(s) história(s), mas simplesmente porque é obrigatório ler, reler e ficar fascinado. Até porque mais do que ilustrador e contador de histórias, Chris Ware é um artista gráfico na verdadeira e mais completa acepção da palavra.

Quanto ao segundo autor, Seth, que por acaso (ou não, se atentarmos ao universo gráfico que ambos os artistas abraçam) é amigo pessoal de Ware, desde que comprei há uns anos a obra de arte que é “It’s a Good Life If You Don’t Weaken”, a história de um homem obcecado por um ilustrador desconhecido e desaparecido, que ando também eu obcecado por mais livros do autor de Palookaville. Uma série que, tal como a Acme Novelty Library, promete ficar nos anais da mais inspirada banda-desenhada da contemporaneidade. Uma banda-desenhada sem super-heróis, nem sequer com heróis, que aborda a vida quotidiana como ela é: colorida e a preto-e-branco; com alegrias e tristezas; com uma verosimilhança tal que nem sequer percebemos se estamos no universo encantado dos cartoons, ou no universo (des)encantado da realidade. Ora ao lado da lombada que me obrigou à compra do livro de Chris Ware, na livraria da Tate Modern em Londres, estava precisamente a mais recente obra de Seth, “Wimbledon Green”, que conta a história do maior coleccionador de comics do mundo. Quem é Wimbledon Green? De onde veio e para onde vai? O que pensam e dizem dele os outros coleccionadores (todos eles doentios) de comics antigos? Wimbledon Green é uma personagem cativante e repulsiva ao mesmo tempo (não são assim todas as grandes personagens?), numa história contada e desenhada à maneira dos melhores filmes negros, com um forte sabor a documentário, mas pura ficção brilhantemente imaginada por um autor que ele próprio vive imerso no universo do “old-fashion storytelling”.

Por tudo isto, parabéns à Tate Modern. Por ser um exemplo acabado de que um museu pode ser um espaço para as elites e para as massas, para miúdos e graúdos, para as belas-artes e para as artes populares. Para todos os livros em geral e para a banda-desenhada em particular. E não é a banda-desenhada a nona arte? Com génios como Chris Ware e Seth é com certeza.

Sem comentários:

Directory of Books Blogs Blog Directory Add to Technorati Favorites